sábado, 2 de outubro de 2021

Todas pela vida


 Segundo a Organização Mundial de Saúde, um milhão de novos casos de câncer de mama são registrados no mundo a cada ano. A boa notícia é que a doença tem 95% de cura, quando diagnosticada precocemente. E mais do que a prevenção, as brasileiras que conseguem superar o câncer de mama (cerca de 40 mil mulheres por ano) contam com uma aliada fundamental nesta luta: a imensa vontade de viver. Por Vanessa Olivier

13 de novembro de 2008. Elizabete está num consultório sentada diante de sua mastologista. Espera o resultado da biopsia de um nódulo encontrado em sua mama esquerda há mais de 10 dias. Pela expressão no rosto da médica, pode prever que a notícia não será nada boa. “É um tumor e precisa ser retirado o quanto antes”, diz a médica. Elizabete sente o coração parar. No entanto, busca coragem para confirmar o que já sabia. “É maligno?”. “Sim, mas está no início”, responde a médica. Ao ouvir estas palavras, ela quase perde o ar.

Naquele momento, a sorocabana Elizabete Peres Caldana, hoje com 53 anos, entrava para a longa fila de novos casos de câncer de mama esperados para o Brasil em 2008 - 49,4 mil, segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), com risco estimado de 51 casos a cada 100 mil mulheres. Sem fugir à regra, ela sentiu o chão desabar. “Eu não esperava por aquele resultado. Achava que isso nunca iria acontecer comigo”, diz.

Elizabete não foi a única a pensar que estaria a salvo da doença. Segundo a Pesquisa Instituto Avon/Ipsos Percepções sobre o Câncer de Mama – mitos e verdades em relação à doença -, apenas 55% das brasileiras acham que podem desenvolver o câncer mamário. O estudo quantitativo realizado pela Ipsos Public Affaiars, em 2010, ouviu mil mulheres a partir dos 16 anos, em 70 cidades. No Brasil, estudos mostram que 60% dos casos têm diagnóstico tardio e 11 mil mulheres morrem, por ano, em decorrência da doença. Algo inadmissível se pensarmos que, quando diagnosticado em estágio inicial, esse tipo de câncer tem 95% de chance de cura.    

Elizabete, no entanto, apesar de achar que jamais seria surpreendida pela doença acabou sendo salva graças aos exames de rotina que vem fazendo, religiosamente, desde os 40 anos. E se hoje ela se alegra com pequenas coisas, como, por exemplo, um dia quente e ensolarado, no momento em que se descobriu doente, as cores do seu mundo perderam o brilho, ficaram opacas, como uma manhã fria e cinzenta de inverno.

Por incrível que pareça, a revelação daquela tarde de novembro não lhe trouxe lágrimas, e, sim, uma decisão difícil e radical: guardaria segredo sobre o câncer, pois a formatura de seu primogênito seria no próximo mês e o caçula estava se preparando para o vestibular. Também não teria coragem de contar à sua mãe, que ainda estava frágil pela morte do marido, há apenas um ano. “Eu não queria estragar a festa do meu filho que iria se formar em Direito, não poderia atrapalhar meu caçula no vestibular e nem afligir a minha mãe. Resolvi também não contar ao meu marido, que estava passando por momentos difíceis no trabalho. Achei melhor agir em silêncio, deixar a cirurgia para depois da formatura e encarar sozinha o medo da morte”, conta. 

Com o coração apertado, prática e extremamente racional, Elizabete chegou a escrever uma carta de despedida, documentando todos os detalhes que almejava para o seu enterro e os cuidados que esperava que tivessem com sua mãe, pois achou que não fosse sobreviver à cirurgia. “Vivi momentos terríveis em silêncio. Não recomendo isso para ninguém, pois eu poderia era ter morrido de enfarte, e não em decorrência do câncer”, brinca. “Mas apesar de toda a angústia que passei, valeu a pena, pois a formatura do meu filho foi um dos momentos mais felizes da minha vida”, garante.

Pelo fato de que o tumor ainda estava no início, Elizabete não precisou retirar toda a mama, mas teve que encarar seis dolorosas sessões de quimioterapia e outras 30 de radioterapia. O cabelo não caiu, mas o tratamento a deixou debilitada e não lhe faltaram mãos amigas para ajudá-la a vencer a doença. Apesar dos enjoos resultantes da quimioterapia, foi durante as sessões de radioterapia que Elizabete viu sua autoestima despencar. “O médico marca a caneta o local onde será feita a radiação. Antes do banho, não conseguia me olhar no espelho. Sentia-me marcada, como um gado, e isso me abateu”.

No entanto, quem a vê hoje, saudável e alegre, não imagina os dias sombrios pelos quais passou há tão pouco tempo. Curada, esbanjando beleza e simpatia, ela é agora uma nova mulher e, mesmo quando relembra o pesadelo de dois anos atrás, o verde de seus olhos não irradia tristeza, apenas esperança e muita fé.

 

Feminilidade abalada

O câncer de mama lidera o topo na posição das doenças mais temidas pelas mulheres, devido a sua alta frequência (ninguém está imune a ela) e, sobretudo, aos efeitos psicológicos, já que afeta alguns dos mais fundamentais símbolos femininos: seios, cabelos, fertilidade e libido. Ao ver-se doente, além da própria debilidade decorrente do câncer, a baixa autoestima é um mergulho ao mar negro da depressão. “As principais dúvidas são ligadas à estética. Ao cabelo que vai cair, à reconstrução mamária, aos efeitos colaterais em relação à sexualidade, à retirada da vida social. Isso tudo assusta muito”, diz a psicóloga clínica Elisa Maria Neiva Vieira, especialista em oncologia.

Segundo Elisa, como se não bastassem todos os problema decorrentes à doença, outros, como sentimentos não revolvidos, vêm à toa, acentuando ainda mais o quadro depressivo. “Muitas me procuram, durante a quimioterapia, já em estado avançado de depressão, com transtornos obsessivos compulsivos, sendo necessário apoio psiquiátrico. Outras chegam com problemas conjugais, pois, sem saber como lidar com a situação, alguns homens se afastam, o que contribui ainda mais para a baixa autoestima”, garante.   

Para Elisa, o suporte psicológico, não só para quem está vivendo a doença, mas também para aquelas que já passaram por ela, vem como uma terapia complementar para que a paciente tenha possibilidades de superar o passado e seguir em frente, com uma nova visão da vida.

E foi pensando em oferecer um suporte emocional mais intenso às mulheres vítimas do câncer de mama que, há dois anos, Elisa deu início a um belo trabalho: o Grupo Andanças. Atualmente com 10 integrantes, o grupo luta pela conscientização da importância da prevenção da doença e por outro objetivo ainda maior e mais profundo: a celebração da vida. Unidas pela doença, cheias de esperança e vontade de vencer, essas mulheres encontram apoio uma nas outras para superar todo o sofrimento causado pelo câncer e viver tudo o que a vida ainda as oferece.    

 

Beleza renovada

Há três anos, Ana Rosa Andrade, hoje com 50 anos, estava trabalhando quando recebeu a notícia que mudaria sua vida. Pelo fax, o resultado da biopsia de um material colhido de sua mama direita acusou o câncer de mama. Ao ler as palavras “carcinoma ductal”, ela disse à colega de trabalho: “Deu mesmo”. “Deu o que?”, perguntou a amiga. “O câncer na minha mama”. Apesar de, aparentemente, calma, Ana conta que sentiu um desespero silencioso e profundo: “Não chorei, não fiquei revoltada, não perguntei “por que comigo?”. Mas fiquei perdida, pois ainda tinha em mente a imagem da pessoa com câncer de muitos anos atrás, de definhar até morrer”, conta. 

Assim como Elizabete, Ana não precisou extrair toda a mama, apenas um quadrante. Porém, teve que se submeter a seis sessões de quimioterapia e 33 de radioterapia. Ao iniciar o tratamento, seu maior medo era de perder os cabelos. “Não é fácil pensar que “o cabelo cresce” quando é com a gente. Mas eu queria viver e fui em frente. O médico me falou das possibilidades de fazer uma peruca, de usar um lenço”. Antes mesmo que os primeiros fios caíssem, ela já havia providenciado uma peruca muito semelhante às suas madeixas naturais.   

Porém, certo dia, quando a queda de cabelo se acentuou, Ana decidiu que não esperaria mais. “Bateu um desespero. Chamei um táxi e corri até o salão. Quando me vi careca não fiquei chocada. Na verdade, achei minha cabeça bonita, gostei do formato, não foi tão ruim assim”, diz. E quem a viu, naquela época, caminhando pelas ruas da cidade ou pelo shopping, nem sequer imaginou que os cabelos loiros na altura dos ombros eram, na verdade, postiços. “Ninguém sabia e eu também não contei. Mas logo que o meu cabelo começou a crescer tirei a peruca”. E assim, de cabelo curto, Ana defendeu com brilhantismo sua tese de mestrado em Gerontologia, assim como lutou, com todas as suas forças, para salvar o seu bem mais precioso: a vida.   

 

Vida após o câncer

Ao ouvir a confirmação da doença, nove anos atrás, a protética e musicista Regiane Vieira Nunes da Costa, hoje com 39 anos, não conseguiu permanecer na clínica e deixou o consultório apressada, sem saber direito para onde ir. Naquele momento, ela apenas sabia que precisava correr e mais nada. Uma fuga inútil talvez, mas necessária para acalmar seu coração aflito. Sua irmã, que havia a acompanhado durante a consulta, a alcançou quando Regiane percebeu que não poderia simplesmente fugir. Era preciso encarar a realidade que batia pela segunda vez em sua porta.

O câncer de mama já havia acometido a outra mama (direita) de Regiane quando ela tinha apenas 15 anos. Ao contrário da primeira vez, ela optou pela mastectomia. “Depois do choque, decidi que tinha que me livrar do câncer e quis fazer tudo, retirar a mama toda. Encarei na boa, pois não pensava na estética, apenas em me curar”. Logo após a cirurgia, Regiane passou por outra ainda mais dolorosa: a reconstrução mamária. “Foi retirada uma parte do tecido subcutâneo do meu abdômen para fazer a reconstrução. O pós-operatório foi muito difícil. Sofri bastante”, conta.

O apoio da família, do marido e dos amigos, assim como a música, foi fundamental para a recuperação de Regiane, que, felizmente, precisou passar apenas pela radioterapia. Três anos depois, ela esperava o resultado de outro exame cujo resultado positivo traria lágrimas de emoção, e não de dor. Ela seria mãe. “Foi uma alegria muito grande para mim e para o meu marido. Um sonho que estava se realizando”, comemora.

Com o nascimento de sua filha, um novo desafio e uma nova vitória: a amamentação. “Ninguém achava que eu iria conseguir amamentar minha filha, pois com dois seios já é difícil, imagine com um! Mas tive a ajuda de uma vizinha, que é enfermeira. Segui todas as recomendações dela e tudo correu bem”. Regiane amamentou Raíssa até os 9 meses - algo que ela jamais pensou ser capaz um dia. E hoje, saudável, alegre e ainda mais bonita, Regiane é mais um exemplo de superação dos terríveis caminhos do câncer de mama. Mais do que isso, representa mais uma luta vencida nessa surpreendente batalha que se chama vida. (CORTAR ESSA ÚLTIMA PARTE EM LARANJA)


Cuide-se

Para quem está enfrentando o tratamento, o médico oncologista Amândio Soares Fernandes Junior, diretor da Oncomed – Centro de Prevenção e Tratamento de Doenças Neoplásicas orienta sobre algumas atitudes fundamentais para amenizar o sofrimento.

 

● Evite compartilhar produtos de limpeza de pele com outras pessoas para diminuir os riscos de infecções.

Prefira instrumentos descartáveis, como algodão, gazes, etc.

Use constantemente o filtro solar.

Se seu médico lhe informar que o cabelo vai cair, procure cortá-lo bem curto antes que isso aconteça. Se tiver interesse, providencie lenços ou peruca.

● Não use grampos, fivelas ou elásticos e evite produtos químicos, como tinturas, permanentes ou sprays.

● Caso se sinta inchada, com dores ou tenha qualquer efeito colateral, procure seu médico.

Mantenha a pele do rosto e do corpo sempre hidratada. Consulte um dermatologista.

 

Conheça seus direitos

Para auxiliar as mulheres diagnosticada com o câncer de mama, a nossa Constituição Federal garante uma série de benefícios. Se você está em tratamento ou já superou a doença, saiba aqui quais são seus direitos e não deixe de requisitá-los:

 

Reconstrução da mama: O Sistema Único de Saúde (SUS) passou a ser obrigado a realizar, gratuitamente, a cirurgia plástica de recontrução mamária em mulheres que sofreram mutilação total ou parcial da mama devido ao tratamento do câncer.

FGTS: É permitido sacar o saldo total quando o titular ou os dependentes sofram da doença.

PIS: Assim como no FGTS, é possível sacar o saldo total quando o titular ou os dependentes sejam diagnosticados com câncer.

Auxílio-doença: Se você teve atestada a incapacidade temporária para o trabalho pode requerer o benefício, desde que seja segurada do INSS.

Previdência privada: Uma vez previsto no contrato, o beneficiário tem direito a renda mensal se comprovada invalidez.

Imposto de renda: Benefícios de aposentadoria e pensão ficam isentos de IR.

Financiamento de imóvel: Se você teve compravada a invalidez permanente, pode solicitar a quitação do imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH).

Compra de automóvel: Quem passou por mastectomia ou ficou com deficiência nos membros superiores ou inferiores torna-se isenta de IPI, ICMS e IPVA na compra de veículos zero quilômetro com câmbio automático e direção hidráulica. Mas antes da compra é preciso requerer a Carteira de Habilitação Especial no Detran. O automóvel também passa a ser liberado do rodízio. 

Transporte público: Em São Paulo e no Rio de Janeiro, quem for diagosticado com câncer tem direito a passagem livre nos ônibus e metrô.

Processos judiciários: Pessoas que estão em tratamento de câncer têm prioridade no julgamento de ações judiciais.

Aposentadoria por invalidez: Tem direito somente as pessoas que tiveram comprovada, por perícia médica do INSS, invalidez permanente para o trabalho.

Renda mensal vitalícia: Pacientes que comprovarem não ter meios financeiros de prover sua família podem solicitar renda mensal vitalícia de um salário mínimo.

 

Celebridades que venceram o câncer de mama

 

Shirley Temple – diagnóstico em 1972. Primeira celebridade a assumir publicamente o câncer de mama.

Kate Jackson – diagnóstico em 1987 e 1989.

Patrícia Pillar – diagnóstico em 2001.

Jaclyn Smith – diagnóstico em 2002.

Cynthia Nixon – diagnóstico em 2008

Christina Applegate – diagnóstico em 2008

 

Box

Vacina contra o câncer de mama

Recentemente, um grupo de cientistas do Cleveland Clinic Learner Research Institute criou uma vacina que impediu o desenvolvimento do câncer de mama em ratos. O estudo foi publicado na revista científica Nature Medicine. O resultado, surpreendente, revelou que os ratos vacinados com a substância não desenvolveram o câncer, o que não aconteceu com o restante deles. Mas, apesar dos bons resultados, ainda é cedo para qualquer tipo de conclusão. Os cientistas planejam iniciar os testes em humanos em breve, mas alertam que pode levar anos para que tenham uma resposta concreta sobre os efeitos da vacina. 

 

Outubro Rosa

Criado na Califórnia (EUA), em 1997, o movimento Outubro Rosa nasceu para despertar a atenção em relação à luta contra o câncer de mama, fortalecendo a importância do diagnóstico precoce e do acesso de qualidade ao tratamento da doença. Seu lançamento foi marcado pela iluminação de monumentos históricos na cor rosa, símbolo da luta contra o câncer, e tomou proporções mundiais. No dia 24 de outubro, pela primeira vez na América do Sul, aconteceu a Brasil Race for the Cure – a maior série de corrida e caminhada mundial de conscientização à causa -, que teve como sede o Rio de Janeiro, onde o Cristo Redentor recebeu uma especial iluminação na cor rosa. Em Sorocaba, o Grupo Andanças, formado por mulheres em tratamento ou recuperação do câncer de mama, realizou a 2ª Caminhada Outubro Rosa, além de promover a iluminação de casas e estabelecimentos comerciais em tons cor de rosa.

 

 

 

Ar-condicionado sustentável

 

Numa Era de temperaturas cada vez mais elevadas, criar espaços com mais verdes em casa, além de trazer mais beleza, conforto e alegria aos ambientes, é a melhor solução para amenizar o calor, melhorar a qualidade do ar e ainda aliviar o bolso.  Por Vanessa Olivier



Em 2014, nós nos deparamos com um recorde muito significativo, mas que costumamos dar pouca importância: o aumento da temperatura média da Terra – um salto de 1,02°C desde o século XIX, segundo dados da Nasa e Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos EUA (Noaa). É a primeira vez que o planeta atingiu um aumento dessa magnitude, rompendo o marco de 1°C. Diante desse resultado, não foi difícil imaginar que 2015 também bateria outro recorde, roubando de 2014 o posto de ano mais quente já registrado na história, com 0,16° C a mais.  

Mas o pior é que esse recorde tende a ser superado, segundo Met Office, Instituto de Meteorologia do Reino Unido. A previsão é de que, neste ano, os termômetros marquem 1,14 graus acima do que foi registrado na época da Revolução Industrial. Ou seja, se prepare para enfrentar cada vez mais calor. E a melhor forma de fazer isso não está na aquisição de um bom ar-condicionado (“maravilha” tecnológica que nos mantém frescos, mas, que, por outro lado, além de deixar a conta de luz mais cara contribui para o aquecimento global por elevar o envio de poluentes à atmosfera), e sim na criação de um espaço verde (pequeno que seja) em sua própria casa ou calçada.

Segundo o biólogo Pedro Barral de Sá, responsável pelo Departamento Florestal da Atitude Verde, diversos estudos já comprovaram que a qualidade de vida de quem vive perto de áreas verdes ou tem espaços ajardinados permeáveis em casa, até mesmo plantas, é muito melhor. “Principalmente por ser uma quebra no padrão de impermeabilidade das grandes cidades e por regularem o clima dentro de casa”, destaca.

 Um estudo desenvolvido pela Universidade de São Paulo (Usp) na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, revelou que em áreas com poucas árvores, a temperatura pode ser até 3°C maior do que em locais arborizados. Os pesquisadores compararam as temperaturas registradas na região central da cidade, com apenas 10% de vegetação, e no campus da instituição, que tem 54% de área verde. Eles também descobriram uma variação de 55°C a 67°C no asfalto e, nas copas das árvores, arbustos e gramados, 29°C e 36°C.

Na capital paulista, a variação de temperatura entre algumas regiões é bem gritante. Um estudo feio pelo departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento da Unesp descobriu o que o gradiente de calor (diferença de temperatura entre áreas) aumentou nos últimos anos. Na região da Serra da Cantareira, por exemplo, os termômetros acusam, em média, 18°C. Na Sé, 33°C.

E é fácil perceber essa variação térmica, basta uma caminhada por bairros arborizados e por regiões tomadas pelo concreto para sentir a diferença. A explicação, aponta o advogado e consultor ambiental Alessandro Azzoni, está no processo de evapotranspiração – liberação de vapor de água pelo solo e pela transpiração das plantas. “De manhã, ao andarmos por um local gramado, percebemos que ele está úmido, o que não acontece com as áreas cimentadas, que absorvem todo o calor e fazem com que o efeito térmico aumente”, explica e cita outro exemplo interessante: “Uma temperatura de 30° C pode chegar à sensação térmica de 33°C, que equivale à soma do calor ambiente, mais o calor que é absorvido pelo cimento. Isso explica as ilhas de calor que ocorrem em cidades com grandes áreas cimentadas e asfaltadas”.


 Heroínas do ar

Por mais simples que possa parecer, plantar árvores foi a solução encontrada por um grupo de cientistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, para ajudar na redução dos impactos das mudanças climáticas no planeta. Segundo eles, as tecnologias mais promissoras até 2050 se resumem ao plantio de árvore em áreas não arborizadas e a melhora do solo por meio do uso de uma camada de carvão vegetal. É claro que apenas essas atitudes não podem combater o efeito estufa, mas também não há como negar que elas têm um papel vital para controlar a qualidade do nosso ar.

Alessandro lembra que além da evapotranspiração há outro fenômeno de suma importância, que é a respiração das árvores por meio da fotossíntese. “Durante esse processo, elas removem o dióxido de carbono do ar suavizando a emissão de gases que potencializam o efeito estufa, e como essas áreas que possuem árvores têm uma temperatura mais agradável, o consumo de energia por uso de climatizadores e ar condicionado também diminui”. E pasme: a diferença de temperatura entre uma área arborizada e outra cimentada pode variar até 14°C, conta o consultor ambiental.

Portanto, não se prive do benefício de ter um jardim em casa ou até mesmo plantas. Na hora de montar o seu espaço verde, a dica é apenas optar por espécies que você consiga cuidar de forma adequada, recomenda o biólogo Pedro Barral de Sá. “Devemos fazer o possível para incorporar áreas verdes ao nosso lar e em nosso dia a dia. Imagine mil pequenos jardins de dois metros quadrados. Na soma, teremos dois mil metros quadrados de área verde e assim por diante”, comenta Alessandro e sugere: “Por isso, faça mais jardins”.


 Mais verde, mais chuva!

Você já pensou que aquela linda árvore que você plantou na frente da sua casa pode ter alguma relação com a chuva? Em uma análise mais rudimentar, as árvores transferem a umidade do solo para a atmosfera, que ajuda a baixar as partículas poluentes, e a formar nuvens, logo um clima mais propício para um aguaceiro, certo? Para o biólogo Pedro Barral de Sá, responsável pelo Departamento Florestal da Atitude Verde, não se pode tirar conclusões precipitadas. Ele adianta que ainda não há indícios fortes de que a arborização urbana viária (em ruas e avenidas) tenha alguma influência no ciclo de chuva de uma grande cidade, além do fato já constatado de que as áreas arborizadas e permeáveis ajudam a combater enchentes, por exemplo.

No entanto, ao contrário de Pedro, o advogado e consultor ambiental Alessandro Azzoni acredita que sim. Para ilustrar sua aposta, ele cita como exemplo a capital paulista e seu cinturão verde, que permeia regiões como Itapecerica da Serra, Cotia, Embu etc, garantindo uma temperatura refrigerada à cidade. “Segundo o Ministério Público Paulista, se esse cinturão fosse suprimido, a cidade poderia aquecer em até 4 C. Isso demonstra que o ciclo das chuvas está diretamente relacionado à qualidade de vida das cidades e com os fenômenos de evapotranspiração e evaporação das águas. Se não tivermos áreas verdes em grande escala, a evapotranspiração seria nula e a concentração de precipitações também”.  


 Cobertos de vida

Fazer seu telhado respirar, literalmente, pode ser uma solução incrível para deixar a temperatura do seu lar mais confortável. Os paisagistas Uilame Miranda Medeiros e Iris Miranda Boulos, da Iris Green Garden, garantem que é possível reduzir a temperatura dentro de casa em até 50%, dependendo do material utilizado nas paredes. Se você se interessou, atente-se às dicas dos profissionais para criar seu próprio telhado verde:

 

·   Antes de tudo é preciso saber se o telhado resiste, em média, 150 quilos por metro quadrado. A base do jardim é outro detalhe muito importante, pois se for telha, precisa ser muito bem colocada, com uma estrutura que resista ao peso. Se for laje, tem que ter um bom caimento para que a água não se acumule, o que pode apodrecer as raízes e ser um chamariz para o mosquito Aedes Aegypti.


·         Para evitar infiltrações, o modo mais prático é utilizar uma lona vinílica de 8mm, sem emendas, em toda a área. Sobre ela, estenda uma camada de manta geotêxtil, mais conhecida como Bidim, que vai filtrar a água.


·         Em cima dessa manta, coloque uma camada de cerca de 2cm de areia grossa.


·     Em seguida, vem o substrato. Não use terra porque ela é compacta e não ajuda no desenvolvimento das raízes das plantas, independente de qual for, seja grama ou forração. O recomendado é o substrato com 60% de material orgânico para auxiliar as plantas a se desenvolverem.


·      Cada metro quadrado requer 1 saco de argila expandida de 50 litros, 1m² de manta Bidim, 20 quilos de areia grossa e 80 quilos de substrato.


·         Para escolher as espécies é necessário considerar a insolação e a manutenção (regas e podas periódicas). As mais indicadas e resistentes para ambientes de pleno sol e sem pisoteios são: Grama Amendoim, Wedelia e grama São Carlos.


·         Para ambientes mais sombreados, as plantas ideais são: Grama preta comum, Singônio e Heras Rasteiras. Todas são espécies rasteiras que melhor se adaptam em solos de pouca profundidade.


·         Por ter um espaço mínimo de terra, a irrigação precisa ser feita dia sim, dia não. Se o sol sob o jardim for muito extenso, é necessário molhar todos os dias. Manutenções como limpeza, podas e controle de pragas podem ser feitas mensal ou bimestral.


·    Para que um telhado verde atinja seu nível máximo de exuberância, mesmo sendo espécies adultas, pode levar de 30 a 90 dias, dependendo dos cuidados e nutrientes adquiridos na implantação.


·      O custo estimado, para cada metro quadrado de materiais, é de 250 a 350 reais (sem contar a impermeabilização).

 

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Euforia Refinada


Inquieta e dona de um humor quase poético, Alessandra Maestrini tem os pés no chão, mas a sua arte não conhece paredes, tão pouco a trivialidade. Da dramaturgia à música, ela se movimenta com a leveza de uma bailarina e não dá para saber onde termina a cantora e começa a atriz, ou onde termina a menina do interior e começa a diva. Por VANESSA OLIVIER


Entro, às 11 da manhã, em seu quarto de hotel, e a encontro fazendo as malas para dar continuidade a sua turnê Drama'n Jazz pelo interior do Estado. Na noite anterior, tinha se apresentado, pela primeira vez, em Sorocaba, sua cidade Natal. A estreia a encheu de orgulho e alegria por poder compartilhar seus  talentos artísticos aos conterrâneos. ”A sensação é igual a de quem vai fazer formatura de universidade. Eu sinto como se fosse um prêmio poder, finalmente, me apresentar aqui. Foi muito especial", diz, com os olhos azuis cintilantes.

 Alessandra me recebe vestida de maneira informal, cabelos soltos naturalmente e sem um pingo de maquiagem no rosto. Não lembra, nem de longe, a diva da noite anterior. No palco — seu universo particular - estava em um sensual e chiquérrimo macacão, que reluzia um brilho negro devido aos infinitos cristais swaroski, cabelos presos no alto da cabeça e maquiagem impecável.

Mas apesar da simplicidade de seu visual, de quem acabou de acordar e está ajeitando, despreocupadamente, as gavetas de lingerie, no caso dela, a bagagem (sim, enquanto conversamos, Alessandra se ocupa em fazer as malas), é possível perceber a musa (e a humorista) nas palavras cuidadosamente escolhidas e articuladas, no riso fácil, solto e na força do olhar longÍguo ao buscar as mais doces lembranças, como as do avô italiano Mário, chamado carinhosamente por ela, na infância, por ”vô caecudo” (ele era careca, avisa), que retribuía o apelido a chamando de "estrupício".

 Ela conta que ganhou a alcunha durante uma visita da família ao avô, que mora na Itália. ”Todo lugar que a gente ia, como eu era a mais nova, devia ter uns 4 ou 5 anos, me deixavam escolher o que íamos comer. E eu sempre respondia: pizza. E meu avô falava: 'esse estrupício só quer pizza', aí pegou", Alessandra termina a história rindo até fazer o corpo se curvar. E depois se entristece ao se recordar de sua atual dieta: ”Agora sou uma pessoa que não come mais glúten, não posso nem comer pizza”, lamenta. ”Ah, sério? Deve ser por isso que consegue manter a boa forma”, digo. Ela ri e diz, tristonha, que fez um teste de intolerância alimentar e, segundo o resultado, tudo lhe dá alergia. "Praticamente tenho que viver de fotossíntese. Mas vou fazer outros testes pra confirmar”.

 Além da dieta restritiva, o corpo esguio de Alessandra é mantido por suas longas caminhadas, em companhia de bons amigos, já que ela não é do tipo que rala em academia, ou corre horrores para manter a barriga sequinha. "Adoro caminhar, e sempre tem um amigo desavisado que me convida para caminhar na orla, e depois que andamos bastante, ele diz: 'quando a gente vai parar de andar? Estou cansado", ela solta uma gargalhada enquanto dobra uma peça de roupa. "E quando eu pego o telefone então, quanto mais eu falo mais rápido eu ando".

 Pensando bem, gostar de caminhar faz muito sentido para ela. Estar constantemente em movimento, e para diversas direções, é uma das mais fortes características profissionais de Alessandra. Atriz, cantora, compositora e versionista, transita por diferentes faces dentro da música e da dramaturgia. Nos palcos, na telinha e na telona, vai do riso ao choro, do lírico ao jazz, do MPB ao rock. No campo da voz, a mágica brota principalmente por ela ter quatro oitavas de extensão, um fenômeno raro no canto que a permite interpretar perfeitamente estilos tão distintos.

 Mas além do seu talento natural, Alessandra convive com uma espécie de faniquito a estabilidade, algo que vira e meche a leva sob uma infinita esteira mutável, que a apavora e também a torna mais forte e mais feliz. ”Tenho medo e coragem junto, pois sem o medo a coragem não existe. Se você não tem medo, também não tem coragem. Ao mesmo tempo, não consigo ficar sem mudar, vai me dando uma agonia muito maior do que o medo de mudar. É aquela velha história de que, às vezes, não fazer é mais difícil do que fazer”. No caso dela, impossível. E se for levar para um nível astrológico, totalmente incoerente. ”É engraçado que sou taurina, e dizem que o touro é um signo muito fixo, só que eu tenho fogo no meu mapa astral. Sempre que vou fazer o mapa, o astrólogo fala: 'você é uma taurina muito atípica, você não para quieta'”, ela ri, balançando a cabeça, achando graça da própria inquietude.

 "Tenho medo e coragem junto, pois sem o medo a coragem não existe"

 

NUA EM CENA

 Desde 1997, Alessandra mantém uma relação muito íntima com os palcos, derramando, ali, aos olhos e ouvidos vigilantes da plateia, toda a sua genuína arte de interpretar. A primeira vez que se revelou ao público foi com o espetáculo As Malvadas, de Charles Mõeller e Cláudio Botelho, que recebeu o Prêmio Sharp de Melhor Musical. No currículo, guarda musicais como a superprodução Les Miserables (Os Miseráveis), Rent e o megasucesso Ópera do Malandro, ambos protagonizados por ela.

 Para Alessandra, 0 show Drama'n Jazz tem uma esfera mágica, totalmente especial, que a faz entrar em contato com suas mais densas emoções. De um modo clichê, é como ver nascer e crescer o primeiro filho. "E o meu primeiro CD, meu primeiro show solo como cantora, meu primeiro projeto pessoal, assinando produção também, em parceria com o Jorge Elali Produções. Então é muito especial", ela fala sorrindo com os olhos.

 No entanto, apesar de estar familiarizada com aquele friozinho que congela sua barriga toda vez que entra em cena, o que agora cutuca os temores dissimulados de Alessandra é outro. Estar no palco, desnudada de personagens, fazendo ecoar sua voz com suas próprias expressões e maneira de sentir a arte é o ponto central desse desafio. "É diferente, agora não tem desculpa. Não posso mais dizer que chorei naquela hora porque era o personagem, porque fazia parte do show. E uma explosão, é como estar nua, pois são os teus sentimentos ali, o teu jeito de sentir aquilo, tua delicadeza, tua fragilidade, tua força, tua feminilidade, tua virilidade".

 Mas ela sabe que por trás de tanta exposição sempre vem os louros do aprendizado. O principal deles é aquele mais transcendental: o encontro com nós mesmos. "É aprender de si mesma, porque é um contato direto com o público, não tem quarta parede, é mais corajoso, digamos assim. Pelo menos para mim, alguém que sai de um lugar para o outro. Transição é sempre uma novidade", reflete.

 

DESAFIO "CHICO”

 Certo dia, Alessandra estava ouvindo um CD de Marília Gabriela, ao lado de alguns amigos estrangeiros de sua mãe. Assim como ela, eles se encontravam totalmente embasbacados pela beleza da música brasileira. Foi ai que uma ideia iluminadora atravessou a mente inquieta de Alessandra. "Naquela hora eu pensei que era uma pena eles não estarem entendendo a poesia, porque uma das partes mais importantes da nossa música é a poesia. Aí eu decidi tentar fazer com que eles entendessem".

 Ela conhecia muito bem a complexidade do desafio que vinha pela frente, pois se traduzisse literalmente a canção, a estragaria, ou se criasse uma nova letra não estaria contando a verdadeira história. E isso era o que a estimulava, a simples ideia de que poderia encontrar a resposta para uma pergunta laboriosa. "Fiz, ficou legal, e aí fiz outra. Quando vi, já tinha feito o CD inteiro”. Mas ela queria mais. O "mais” se tornou infinitamente maior quando pensou no quão instigante seria encontrar as palavras perfeitas para as obras de um dos maiores ícones da cultura nacional, Chico Buarque. "Consegui fazer a Beatriz, assim, fácil. Ai eu falei: 'gente, eu sei fazer isso'”, comemora.

 Empolgada, Alessandra verteu para o inglês outras composições de Chico, como a Eu Te Amo, que integra as faixas de seu CD. Depois de prontas, ela enviou as letras ao compositor por email. E aí veio a maior de todas as gratificações: pela primeira vez, ele deu sua bênção a uma versão de sua música. "Ele aprovou todas. Me ligou, fez um monte de elogios, falou que todos os dias recebe email de gente querendo verter sua música e ele nunca aprova. Disse que estava muito feliz, porque fui bastante fiel à sua poesia, a sua essência”, ela vibra com a lembrança, emocionada.

 "Só o humor salva"

 O contraponto de seu talento é o que a torna ainda mais especial: se por um lado, emociona muita gente com o alcance arrepiante de seu vocal, por outro, também arranca gargalhadas por seu humor refinado. Como esquecer a hilária Bozena, do sitcom Toma lá dá cá? Neste ano, ela também viveu uma noiva

muito sinistra, que decidiu se casar com um noivo morto, em sua participação especial no seriado Pé na Cova. Ainda neste ano, também deve estrear a comédia A primeira missa, dirigida por Oscar Magrini. ”O filme é muito engraçado, nas gravações a gente morria de rir. É sobre a dificuldade de fazer filme no Brasil. Se eu sou uma índia, por aí já dá pra imaginar".

 Mas é certo que o bom humor de Alessandra ultrapassa as câmeras e não perde uma oportunidade de dar o ar de sua graça para deixar o dia dela mais leve, principalmente nos momentos mais críticos. "Uma vez, eu estava triste, chorando e, de repente, comecei a rir. Meus amigos me perguntaram do que eu estava rindo e eu disse: 'eu não consigo parar de chorar, estou achando isso hilário'”, ela mal consegue terminar a frase e o riso vem apressado e, ao mesmo tempo, deliciosamente sem pressa. ”Eu costumo dizer que só o humor salva. Então, há o que eu chamo de alegria de viver, algo que faz parte da minha essência, graças a Deus”, diz, levantando as mãos para o céu.

 

'eu não consigo parar de chorar, estou achando isso hilário'
 

Além de ser essencial em situações críticas, para ela, o senso de humor também é uma espécie de feromônio, ou seja, um tempero crucial no jogo da conquista. "O cara não precisar ser hilário, mas ele tem que entender suas piadas, você não precisa ser hilária, mas você precisa acompanhar o humor dele porque achar graça das mesmas coisas é importante. Mesmo que você não veja graça, que, pelo menos, se divirta

do fato de ele achar aquilo engraçado”. E, pelo jeito, ela vem se divertindo bastante ultimamente. Quando pergunto como está seu coração, ela diz: "Eu estou feliz, mas não vou falar mais do que isso", e ri um riso de orelha a orelha, revelando muito mais do que gostaria.

 


segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Será?










Uma mão fecha-se em punho, 

Um rosto se contorce,

O soco é magistral e derruba,

Não só alguns dentes, mas a estrutura,

O corpo estremece, os olhos lacrimejam espanto,

Ou será ódio, dor?

Mas a mão que dá o soco não sai imune,

Arde, vibra, queima,

Estremece também, a adrenalina corre nos poros,

Nas veias, nas extremidades,

O coração vibra, descarga elétrica atirando arritmias.

No entanto, toda ação requer uma reação,

A reposta leva segundos pra vir,

E ela vem cheia de si, de verdade, de loucura,

Outra mão se fecha em punho,

Outro rosto se contorce,

Outro coração explode,

Mas nada disso precisa ser literal. Saca?

É assim na vida, na luta contra nós mesmos,

Uma briga que não existe sangue, nem dentes estilhaçados,

Ainda que haja dor, lágrimas, ódio, estrutura abalada,

A vitória pode ser genuína, coração vibrando e espalhando luz,

Ou a perda, amarga, sinapses num escuro aterrador.

Essa batalha só exige uma reação: Resistência.

Será que você tem?

 

Vanessa Olivier

 

 

Tecla Errada

 


Ando meio arredia como uma nota dissonante na partitura,

Aquele agudo que não agrada, ecoando na mente,

É como errar de propósito a tecla certa do piano,

Mas sem chance de poder voltar atrás,

De tirar o ruído travesso do ouvido,

E me vejo presa ao zumbindo de meus próprios lapsos.

É assim quando deito, mesmo que placidamente, a cabeça no travesseiro

A fronha enrugando-se embaixo de meu rosto, mesmo que não me deixe marcas,

A pressão crescendo a cada farfalhar, mesmo que eu medite

Mesmo que eu cante,

Mesmo que eu ore,

Mesmo que eu chore,

Impossível mudar ou anular aquela tecla,

Impossível calar um coração que não aprendeu a gritar.


Vanessa Olivier

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Mudar Faz Parte



Quando alguma coisa sai do eixo, não tenha medo de buscar outra peça para quebra-cabeça da sua vida. Os elementos podem mudar de posição ou perder conexão com o  todo, e é você quem precisa fazer as alterações necessárias para que tudo volte a se encaixar. Por Vanessa Olivier


O que a palavra mudança provoca em você? Medo, euforia, esperança, alegria, tristeza ou será indiferença? Nunca, por exemplo, nos últimos tempos, o Brasil ouviu e repetiu tanto esse termo. Uma nação cansada de corrupção e falsas promessas, que clama por mudanças (boas, é claro), mas que ainda tem medo delas. Apostar no conhecido é sempre mais fácil do que no duvidoso, e acabamos sendo enreda- dos pelo conforto de nossa própria armadilha – nosso imaculado e quentinho universo particular.

Mas e quando aquele conhecido mundo já não nos faz felizes como antes? Será o momento de romper a casca que nos protege de nossos possíveis fracassos para nos permitir errar, tentando acertar? Só de pensar em mudar algo estável bate um certo desconforto. Esse sentimento é compartilhado por inúmeras pessoas e, provavelmente, por você também. Pense bem, em algum momento da sua vida você já sentiu algo assim: coração disparado, boca seca, corpo agitado e uma imensa vontade de sumir. Esses sintomas, apontados pela psicóloga e palestrante Meiry Kamia, de São Paulo, são reações corporais que ocorrem no presente movido por um sentimento do futuro – a ansiedade.

Segunda ela, é natural não gostar de mudanças, pois além de provocar sensações físicas desagradáveis, nos obrigada a aprender coisas novas, o que não nos agrada muito porque somos seres extremamente movidos a hábitos. “A rotina nos traz uma falsa sensação de segurança, a crença é: se executar as tarefas todos os dias da mesma forma, isso trará a sensação de que o resto está bem, chegaremos em casa seguros e garantimos mais um dia de vida”, explica Meiry, que também faz um alerta: “É uma crença falsa que nos aprisiona e não permite que possamos aprender e crescer”.


É esse o ponto: o nosso crescimento emocional e cognitivo depende de novas experiências. Assim, toda transformação exige o abandono daquilo que não nos serve mais, seja o que for. “A mudança derivada de um evento externo a nossa vontade é encarada como fato da vida, uma contingência do destino frente a qual nada podemos fazer. certa resignação com as mudanças provocadas por eventos alheios a nossa vontade”, pondera a psicóloga Angelita Scardua.


Segundo ela, essa percepção nos faz enxergar de maneiras diferentes as mudanças da vida que ocorrem alheias à nossa vontade daquelas que planejamos. “Essas últimas geram medo porque sabemos que estão em nossas mãos, desde    o princípio até a conclusão”. Sim porque quando escolhemos mudar, a responsabilidade de um possível fracasso é toda nossa, ao passo que as mudanças não planejadas nos colocam no papel de vítimas ou de sortudas. “Assim, tanto uma quanto outra pode ser percebida como sendo mais confortável emocionalmente do que a posição de responsável”, aposta.


No entanto, se alguma coisa em sua vida não está legal, sempre é tempo de mudar, como aponta uma das frases icônicas de Charles Chaplin: “Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre”. E o momento para essa reflexão não poderia ser melhor, já que, naturalmente, o fim de todo ano sempre vem acompanhado de um sentimento de renovação, pois o vemos como o encerramento de um ciclo. 

“Quando um ano termina, nos sentimos inclinados a fazer a ‘contabilidade’ do tempo vivido e, nessa hora, refletimos se investimos da melhor forma nossa energia, nossas horas, nosso dinheiro, nosso afeto. Ao mesmo tempo nos motiva   a pensar em como podemos contribuir mais e melhor para   a história que estamos escrevendo, ou seja, a vida que estamos levando. E muitos momentos, fazer mais e melhor exige mudanças, términos e recomeços”, diz Angelita.


HORA DE MUDAR


Ok, vamos admitir que você se sente incomodada com alguma coisa, mas não sabe bem o que fazer para reverter a situação, nem se é hora para tentar uma mudança e, muito menos, se realmente mudar é a chave para sua felicidade. Para o especialista em administração de tempo e produtividade Christian Barbosa, de São Paulo, essas dúvidas podem roubar um tempo precioso de nossa vida. E para que isso não aconteça com você, ele tem uma sugestão: “Sempre que tenho um impasse ou algo que está emperrado, eu paro para me perguntar, e não para pensar. Perguntas são as respostas”.

Mais precisamente, garante ele, seis delas podem ajudá-la a responder suas principais dúvidas: 

1 E se eu mudar e optar por esse novo rumo? O que pode acontecer de bom? O que pode acontecer de ruim? Tem mais vantagens ou desvantagens? 2 Alguém será prejudicado com essa minha decisão? É possível evitar ou minimizar o impacto? 3 O que me impede de tomar essa decisão? O que preciso fazer para vencer essas barreiras? 4 É ético? Honesto? Vou conseguir dormir à noite? 5 Minha família vai junto comigo? 6 Vai ajudar a realizar meus sonhos e objetivos?

Você pode até se fazer todas essas perguntas, mas saber reconhecer a hora certa da mudança não deve ser algo tão difícil assim, acredita a psicóloga Angelita Scardua. Segundo ela, nós já sabemos quando uma situação em nossa vida não nos serve mais. “Podemos até não querer admitir, mas sentimos quando algo ou alguém não acrescenta mais, não contribui mais, não importa mais”.

Angelita aponta que as emoções negativas, de todo o  tipo, são os primeiros sinais da necessidade de um recomeço. “Sentir raiva, medo, tristeza, insegurança etc, é uma maneira da mente alertar para a insatisfação”, garante. Além dos sinais de ansiedade citados no início desta reportagem, o corpo também encontra um meio de transbordar o descontentamento através de sintomas, como cansaço constante, mal-estar físico, falta de energia contínua, tensões acumuladas na musculatura, apetite excessivo ou falta dele, enxaquecas, insônia, e por aí vai.

“O mal-estar físico e emocional são sinais de que a vida pede novas direções que nos levem a diferentes caminhos dos quais temos percorrido. Eles incluem o desinteresse por algo que antes nos encantava, a indiferença frente a alguém que costumava despertar fortes emoções, a falta de motivação para fazer uma coisa que antes fazíamos entusiasmada- mente”, completa Angelita.

Ainda que você esteja enfrentando alguns desses sinto- mas, mas não tenha se convencido totalmente de que precisa agir, Christian Barbosa elaborou nove estágios que apontam quando alguém está apenas sobrevivendo, ou seja, que está vivendo uma vida que não quer. Talvez você possa se identificar com algum deles, ou com todos.


1.  SEGUNDA-FEIRA É UM MARTÍRIO quem acorda na segunda-feira imaginando que está indo para um velório, sem qualquer disposição de fazer acontecer, tem um dos sintomas clássicos da sobrevivência.


2.  RECLAMA SEM SABER O PORQUÊ tudo está chato? Tudo é um saco? Sem vontade de fazer muita coisa? Você “bufa” várias vezes por hora com aquelas coisas que aparecem no meio do seu dia? Se você está reclamando de tudo, a toda hora, para todo mundo, você está no caminho de se tornar uma walking dead (zumbi da vida).


3.  O DIA NÃO ACABA COM AQUELA VONTADE DE QUERO MAIS: sabe quando seu dia termina, você está tão cansada, esgotada e ainda tem um monte de trabalho paraser feito? Será que você sente aquele “tesão” de fazer um pouco mais, de tanto que gosta do que está fazendo ou não vê a hora de sair pela porta? (Eu não estou dizendo que é para fazer cansada, trabalhar mais, estou só perguntando se você tem vontade de fazer isso)


4. FAZ MAIS COISAS PESSOAIS NO TRABALHO QUE PROFISSIONAIS: você chega no trabalho, começa a tocar o dia, daqui a pouco vem uma preguiça e você passa a procurar coisas sobre seu TCC, faz um pouco do seu trabalho extra, procura algo da sua próxima viagem etc. Fazer coisas pessoais durante o trabalho não tem problema, se forem no tempo certo e no tamanho do bom senso. Agora, quando toda hora você foge para o pessoal, certamente, tem algo errado. 


5.      VE PROCURANDO OUTRAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO: VOCÊ SEMPRE ACESSA SITES DE EMPREGO PARA MANDAR SEU CURRÍCULO E BUSCAR OUTRAS OPORTUNIDADES? Esse é outro sintoma de que algo está errado com a oportunidade atual. Querer melhorar é natural do ser humano, mas será que você tem um foco específico para isso ou está aleatoriamente buscando algo diferente.


6.  SEM TEMPO PESSOAL DE QUALIDADE: quanto tempo você não faz algo, realmente, de qualidade para você mesma? Seu tempo pessoal é prioridade ou é raridade? Pessoas que sobrevivem não conseguem encaixar muito prazer na agenda, são apenas levadas pelo grupo   em eventos sociais, mas algo que goste de verdade fica em segundo plano.


7.  SENSAÇÃO DE QUE ESTÁ FALTANDO ALGO: pessoas que estão sobrevivendo, vivem com a sensação de que precisam fazer algo diferente, mudar a vida, dar a guinada, fazer sucesso de verdade. É um pensamento que vai e volta constantemente, mas sem muitas respostas práticas.


8.  AUSÊNCIA DE DESAFIOS: quem não tem um grande desafio na sua vida, algo que realmente motive de verdade, acaba entrando nesse ciclo de sobrevivência. Esse objetivo pode ser algo profissional como um novo projeto, uma meta desafiadora, ou algo pessoal como um curso, uma certificação, um empreendimento etc.


9.  FOCO NO PRESENTE, FUTURO INCERTO: muitas pessoas só conseguem enxergar o hoje e nem querem imaginar o que será amanhã. Vivem o presente até ele se esgotar, sem criar um futuro que permita uma vida plena. A rotina está tão no automático que essa construção do amanhã não é muito levada em consideração.



A HORA É AGORA


Se você já tem certeza de que precisa mudar, o próximo passo é agir. “Para o bem e para o mal, é somente promovendo mudanças, de forma deliberada e consciente, que aprendemos que somos capazes de influenciar os rumos da própria vida”, aponta a psicóloga Angelita Scardua. A partir do momento em que realizamos a primeira mudança de uma situação incômoda, automaticamente, nos sentimos mais fortes, descobrimos as nossas reais capacidades e, principalmente, entendemos (de uma vez por todas) que, se não houver uma ação, também não haverá uma reação, além do fato de que “os céus não caem sobre nossas cabeças só por- que mudamos de direção”, acrescenta Angelita.


Ao aprender a conduzir os caminhos da nossa vida só temos a ganhar, já que somos desafiadas a nos readaptarmos, a modificar hábitos, crenças e valores. “Podemos encontrar diferentes e novas maneiras de vermos o mundo e a nós mesmas”, aposta a psicóloga, que também faz uma ligação entre esses ganhos e o desapego. “Quando desapegamos, criamos espaço em nossa mente e em nossa vida para coisas novas. Mesmo que não falemos sobre isso, no fundo, sabemos que viver melhor exige que tenhamos a disposição para mudar algumas coisas, seja hábitos alimentares ou a maneira com que tratamos nosso companheiro, por exemplo”.


Então, se você quer mudar sua vida em 2015 (seja uma parte ou tudo) precisa aprender a ser uma pessoa um pouco diferente da que foi em 2014. “Essa deve ser a única e real resolução de fim de ano: mudar! Afinal, a palavra ‘resolução’ tem vários significados, como firmeza, energia em face do perigo, coragem, decisão, ato ou efeito de resolver--se, fluxo etc”.


Está pronta? Então atente-se às dicas da profissional e tenha um novo ano diferente e muito mais feliz:


Exercite a     curiosidade


Procure fazer e experimentar coisas novas. Alterne o caminho do trabalho, comece uma atividade física que nunca fez antes, exercite o paladar e o olfato com aromas e comidas que são estranhas para você. Viaje para lugares que não conhece, vá a recantos de sua cidade que não costuma ir. Converse com pessoas diferentes de você, que tenham outra religião, idade, origem cultural e econômica. Abra sua mente para o desconhecido. Isso nos ajuda a repensar o mundo e a nós mesmas, nos fornece novas perspectivas sobre a vida e nos coloca em contato com outras formas de viver.


Desapegue


Faça uma faxina na casa, no local de trabalho e na mente. Se alguma coisa não é mais útil ou gera muito mais emo- ções negativas do que positivas seja um objeto, crença ou convicção, lembrança, atividade ou até mesmo uma relação amorosa –, deixe para trás. Insistir em manter algo que apenas faz volume ou é um peso na vida, nos imobiliza emocionalmente, gerando culpa e frustração. Enquanto mantemos algo que não contribui para a vida que queremos viver, estamos ocupando o espaço que poderia ser dado a algo que poderia nos ajudar a nos aproximarmos da vida que almejamos.


Planeje


Seja qual for o seu plano para 2015, trace metas. Desmembre o objetivo final em várias etapas com prazos e métodos viáveis – a serem cumpridas progressivamente para atingi-lo. Avalie suas expectativas e os recursos que você já tem e os que precisa ter para alcançar suas metas. Não adianta planejar o que não se pode alcançar, seja por características pessoais ou pelas condições ambientais. Por exemplo, se você quer emagrecer 12 quilos, não adianta estabelecer a meta de chegar ao peso ideal em um mês. É importante entender que o emagrecimento, para ser saudável e efetivo, deve ser encarado como resultado de uma mudança de hábitos, desde alimenta- res até de rotina de atividades.


Busque o equilíbrio


Não encare o ano vindouro como a única chance para atingir esta ou aquela meta, e sim como a oportunidade para começar pequenas mudanças que, juntas, resultarão em uma transformação mais profunda. Isso significa não canalizar todos os esforços em uma única direção. Nenhuma meta deve ser a sua vida. Uma boa vida deve ser diversa, ter espaço para a família, o trabalho, o lazer, a vida afetiva, o autocuidado, a espiritualidade, os amigos. Se para realizar um objetivo tiver de negligenciar várias outras áreas da vida, dificilmente essa conquista, por maior que seja, compensará o que se deixou de viver. Lembre-se, neste ou no ano que se iniciará, a única vida que você tem de verdade é esta que está vivendo. Tente vivê-la da melhor forma possível.


Reportagem publicada na Revista Madame Brasil (2014)