POESIAS MALUCAS

Teia





Não há pra que correr


As distâncias se engolem 
E não sobra a estrada
Nua a deslizar solitária
Como uma marcha fúnebre
Aos ouvidos de quem
Já não encontra a fé. 

Vou assim meio lisa 
O tempo me cerceando 
Sem pressa no tom do meu pulsar 
Agarro-me a uma ideia 
Com o andar sóbrio 
Uma estrada inteira 
Porém, preenchida de lacunas 
Assim como a minha fé. 

Mentira 
Finjo somente quando 
Não há mais verdade a dizer 
Uma gota que de teus olhos cai 
Diluindo-se sem fim 
Sou eu que não mais estou 
Dentro de ti. 

Peço o silêncio 
Talvez um instante de amor 
Algo a renascer 
Mas as palavras não calam 
És tu que agora finge 
Misericórdia cruel. 

Triângulo 
Se a vida me mostra a face 
Arregalo os olhos 
Dou-lhe um beijo 
Ora um tapa 
que é pra me ferir 
Quando a verdade vier 
Não sem antes me acalentar 
Pra me mostrar o bem e o mal 
Num mesmo rosto. 

Fuga 
Uma pressa me atravessa a nuca 
Estou a mil palmos de mim 
Não sei onde vou chegar 
Mas posso correr 
E nunca me achar 
É assim que sei viver.

O espelho é cruel 
Fujo de meu reflexo 
Não quero saber da face 
De quem há tempos me habita 
Mora em mim sem permissão 
Como alguém com alma 
Desejos, sonhos 
E uma pitada de maldade. 

Amor 
Fui buscar ali, no meio da chuva 
Um pouco da vida, um pouco de mim 
E seus olhos se abriram 
E as lágrimas misturaram-se à chuva 
Nosso amor sorriu 

Já não chovia mais.



Busca
Minha busca é perene
Nunca paro ao meio-dia
Arrasto-me como cobras 
Numa floresta sibilosa
Voo como urubus revoltos
No céu de âmbar e carniça
Nado como tubarões ansiosos
Num oceano de meandros bêbados
Sou como o peixe espada
Pronto para alfinetar a presa
Sou uma coruja à meia lua
Olhos secos de repentes 
Se alguém me machuca
Viro onça pintada
Meticulosa e fria
Mas se alguém me nina
Sou gatinha manhosa 
Unhas seladas, língua precisa.



Destino



Não tem pressa o destino
Tateia as paredes insólidas
Veste uma ruga no olhar
Está à espera da hora
Deixa rastros na beira do caminho
Delicia-se com a teia nos passos
Emaranhados atalhos incertos
Que não levam a lugar algum
Mas deixam impressões no céu
Vagando os olhos que não visualizam
O dia depois do amanhã

Mas um dia chega
E satisfeito traveste o véu
Que apenas camuflava possibilidades
Agora silencia a voz da sofreguidão
E não há mais a ruga
Só olhos expectantes a assistir
De camarote o encontro
Destino que se cruza no mesmo olhar
Coração que vira um só
E um mar de infindas promessas
E novamente o véu a cobrir
Derradeiros caminhos ...




Instinto
 
Serpenteando nos cabelos do vento
Bailando nos ladrilhos do sol
Rutilando uma luz de lua
Branca e cristalina
A solfejar pura uma canção de ninar

Deitada por entre as nuvens
Braços de brisa
Tão fortes e resvalados
Tão neutros, submersos
A abraçar quente o corpo rijo

O mergulho é intrínseco
Ao mar de estrelas, piscando em dialetos
Todas férteis, línguas inusitadas
Mas de percepção similar
Um gozo abstrato de constelação
A tremer em azul neom o céu de anil

Mas uma lareira de tíbios raios
Relâmpagos náufragos em rios de lágrimas
Faz farejar uma busca de fuga
Do espaço ignoto
Crepitando algoz um medo desvairado
E acordando brusco entre banhos de suor e assombro
Era noite, era sonho ...




Abstrato














Solitária, sagaz corre pelos campos
Mostra as garras e faz rolar uma lágrima
Deita e canta uma cantiga lúgubre
Abre os braços e sorri à luz da lua.
Não tem pressa, livre está
A perambular no vazio das ruas.
Treme de frio e fala em adeus
Com os olhos úmidos.
Sente o coração bater em dissonância
Em discordância, na ânsia de viver
De morrer, de gritar e de dormir
Com os olhos abertos, selados por dentro
Onde há uma chama,
Sem faísca, sem fumaça,
Ardendo na esperança de ver outra vez
Aqueles olhos, ilusões de um passado
A peregrinar  pelo deserto
Prisioneiro do tempo, com as celas fechadas
Sem grades e cadeados, sentidos em guarda
Sob o alerta dos guardiões, soldados do tempo.

A chuva cai e molha a solidão
Levando a poeira da saudade e
Deixando folhas secas no peito.
Ela anda e não encontra a paz
Fragmentos dissolvidos pelo ar
Facínora, a sufocar a garganta
A amedrontar os dedos frios
A pulsar o coração latente
A drenar a água que cai
Dos olhos baixos
Olhando a calçada
E os pontos negros do universo
Refletidos no cristal de suas retinas
Vermelhas, sangrando de dor
Pelas partículas das cinzas
Da vida que caiu e morreu
E vive no abstrato

Refúgio de recordações.



Loucura













A pressa era mais branda
Cavalguei serões
Mas havia confusão
Imagens se entrelaçavam
Recuei
Fiquei emaranhada
Era lúdico, pitoresco
Gargalhei abobada
Sem fôlego, o ar na boca
Ouvi risos, que pareciam choros
E uma chuva de raios
Vesti as luvas e sai
Em meio à tempestade de areia
Garimpando promessas
Ilusões
E uma pitada de loucura
Às avessas

Borbulhei... 

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