Os degraus a percorrer eram similares ao seu sofrimento. A escada rangia a cada pisadela, como fazia o seu coração. A madeira chorava fagulhas que iam se perdendo pelas frestas do assoalho. E pensar que havia milhares de fagulhas de existências perdidas no labirinto que se tornou sua alma. Já não conseguia mais se achar. Sua vida havia se desencontrado por entre muitas vidas que ele talvez imaginasse ter. Mas não era verdade. Aquela era a única, e a realidade mostrava uma face dura e não menos melancólica do que a escada pela qual ele subia. E não era uma ascensão de fato. Apenas um atalho para a sua desgraça.
Ele tentava silenciar os passos, mas era inútil. Impossível calar uma madeira velha, cansada das pisadas ao longo da vida. Suas pernas não conseguiam encontrar apoio. O tremor percorria pelo corpo, as mãos gélidas suavam medo, o coração cansado avisava o infortúnio, e os olhos... traziam contraditórias emoções. Dúvida, certeza, temor, anseio, amor e ódio.
Chegou ao topo e uma porta ganhou o ambiente. A fechadura convidou-o a espreitar o que por trás dela se passava. Agachou-se numa altura suficiente para mirar os olhos naquela janela para o desconhecido ou será que não? Será que a cena a qual iria testemunhar já havia se desenhado inúmeras vezes em sua mente atroz? O suor de suas mãos dizia que não, o pulsar de seu coração rogava que não, mas a débil certeza de seus sentidos acusava a verdade. Sim, ele já sabia, mas seus olhos desavisados queriam ver.
Era tudo escuridão. Uma ridícula escuridão. Assim como sua alma que não encontrava luz para enxergar a verdade. Alguém, sabiamente, havia vendado o orifício da fechadura. E a venda continuava em seu coração, que não sabia qual direção seguir. Agora o seu pulsar já estava na altura da boca. Uma corrente de ar frio o gelou por dentro. Não teve dúvidas. A maçaneta começou a girar. Eram seus dedos confusos que jamais conseguiram agarrar algo. E tudo se transformava em grãos de areia a escorrer pelas mãos e misturar-se ao vento. Um vendaval. Assim era sua vida.
A porta estava trancada, como sempre estiveram seus passos. Não conseguiam desvencilhar-se de seus próprios sapatos. O tombo era inevitável. Um garoto que sempre tropeçava nos cadarços desamarrados. O pulso tremeu e de repente ele se tornou forte. Girava com força a maçaneta, a raiva crescendo por saber que não conseguiria entrar. Mas não percebia que sempre esteve fora.
A força morreu segundos depois. As lágrimas chegavam para banhar o rosto de covardia. O grito ficou preso na garganta, assim como sua coragem. O corpo deslizou-se pela porta e encontrou o chão. Em posição fetal, ele chorava, baixinho, na altura da sua garra. Deixou-se assim, por minutos infindos, lamentando sua falta de sorte, desejando ser outro, mas se perdendo novamente dentro de si. Levantou-se, desceu os degraus rangentes, a madeira agora parecia uivar. As fagulhas eram espessas, e caiam com mais intensidade. Seus passos tinham o dobro do peso. Era sua covardia.
Suspirou. Olhou para cima, para a escada e para dentro de si. Novamente não se achou. Sabia o que deveria fazer, mas preferiu o silêncio. Foi embora ... mais uma vez.
Por Vanessa Olivier
Por Vanessa Olivier
Belo texto!🌹😍
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