POESIAS DRAMÁTICAS


Desconexa



Não consigo calar meu silêncio
Não dá pra gritar mais alto do que o vazio
E a minha agonia sempre foi palpável.
Estranhas contradições me perseguem
Como um beijo sem o toque
Ou uma saudade do que não existe.

Vivo assim, a espreita
De algo real, permanente
Que me cale as vozes baixas
E me faça gritar mais alto
Do que os mudos brados em minha mente.

Talvez um dia eu possa pedir
Só um pouco de silêncio
Um espaço no vazio
Um beijo nos lábios
Um pouco mais de mim
Um pouco de alguém.





Crepúsculo
Não me digam como seguir
Quando o solo é quente e as solas finas
Já está à espera de um vendaval
Sem poder enxergar os trilhos desta estrada.

Não me digam o que vestir
Quando das vestes em trapos está a alma
Beleza aparente, sorriso sem mostrar os dentes
O tecido fino cobrindo a carcaça
Rotulando mil faces falsas
Sem eira, nem beira, nem poeira para esconder
As traças, as felpas, os remendos e o esvair da tinta
De um coração quebrado.

Não me digam o que dizer
Quando as horas tardam o sorriso dissimulado
E lágrimas amargas varrem as palavras
Que não encontram brecha, fendas na dor
Para atravessar o mar dos desalentos
E portarem-se eretas em posição de gala
A espera de meticulosos aplausos e estreitos sorrisos.

Não me digam quando ir 
Quando as pernas já carregam o cair do dia
Céu que desabou sem culpa, noite que chegou sem lua
Olhos que buscam outro ver
Mente que desafia o tempo preciso
Presente que quer virar passado,
Passado que não quer ser futuro
Só imagens congeladas, fragmentos de culpa
Pés que flutuando no vago buscam o chão.

Não me digam o que sentir
Quando o coração já bate em dissonância
Tentando respirar o ar impuro da devassidão 
Dos sonhos rasgados e assoprados para lugar nenhum
Levantando cinzas fartas da desesperança
E afrouxando os laços do amor.

Não sigo o que me dizem 
O desejo é em vão 
E os sentidos movem-se sozinhos
Não há muralhas, não há algemas, e não há bússolas
Meu elo é perdido, vago é meu caminho,
E meus passos se confundem em neblinas de ilusões.

Mas há ainda um corredor virgem
Onde meus passos tentam equilibrar-se 
E busco sozinha as areias de meu inconsciente
Tentando cavar uma vala no destempero 
Aflitos olhos já bebem um crepúsculo remoto 
E não há mais dor, anestesiado coração.




Caminhos Turvos

      Caminho na estrada longa
Com pedras e pedregulhos
Buracos e desvios
Caminhos turvos.
Olhos baixos, pensamentos embriagados
De fome, corroendo meu espírito
São.
No meu delírio simultâneo
Ouço vozes, alarido,
E um ganido de dor.
Imagens camufladas
Transpassadas de fúria
Risos coléricos e uma lágrima nas pálpebras de teus olhos
Profundos cristais.

Caminho na estrada longa
Débil sonho
Coberto de flores
Emana o cheiro da morte
E degusto com prazer
O mel do pecado
Que escorre dos teus lábios
Tépidos.
Desfruto zombeteira 
A chama ardente de um
Vulto sádico
Que circunda meus olhos
Febriz, rubros
Da cor escarlate de meu batom.
Rogos apelos
Nos olhos veneno
De quem tudo quer
Caminhos torpes.

Por Vanessa Olivier



Ao léu


Mortificadas ideias
Vagam em minha mente
Que reclama a paz.
Por onde ando vejo
Furtivos olhos,
Retinas que camuflam o
Infortúnio.
Rogo às vozes internas
Um apelo que já vestiu
O manto do silêncio
Lamento mudo
Designado a peregrinar
Pelas estreitas margens
Do subconsciente.
Olho ao meu redor
Há nuvens carregadas de difusas incertezas
Emanando no ar
Todo meu desassossego.
Tenho as mãos frias
Pés descalços pisando
Em águas álgidas
De meu flagelo lacrimejante.
Espreito a porta do oásis
Estou a um passo do óbvio
Mas tenho as pernas derreadas
No chão do desterro.
Minha luta é em vão
Meus olhos cegos não podem ver
A saída.
O que me afugenta não sei
Não tem face o meu carcereiro
Não posso tocar minhas algemas
Encaro meu fado.
O quarto é escuro,
O leito é magro,
E o ar,
Facínora.
Tenho areias na garganta
Solto espasmos impetuosos
Porém, efêmeros se vão
Levando ao léu
Minha salvação.
Resfolego o vento a me cingir
Caio em teus braços
E vencida
Adormeço.

Por Vanessa Olivier



Saudade e espera

Meus olhos são saudades
De todo e de tudo
O todo seu
O tudo que existe.
Meus olhos são espera
Do dia que se ausenta
Do amanhã que não vem
Da noite que não dura.
Meus olhos são lágrimas
Águas da chuva que brotou
E molhou o jardim do meu coração
Que agoniza, mas sente a beleza
Sabe do amor
É florescer, e morrer.
Meus olhos são estrelas
A espiar o infinito
A flutuar no vazio
Cosmo da solidão.
Meus olhos são estradas
Que passam e ficam
Que vão e que vem
E acalentam poeira
Brisa e sol
A terra fermentando suor
Saudade e espera
Lágrimas que secam e que caem
E ficam.


Sobrevivendo

Pelas cortinas transparentes do horizonte
Foi se esconder, levando silenciosos anseios
E a incerteza de haver um outro oceano
A derramar esperança, e verter às casas de folhas,
Verdes como a mata serrada,
E como aos olhos que lacrimejam dor.
É inútil o calor que grita e consome a pele,
O sol é majestoso, mas não soberano,
O corpo que respira quente é frio,
Treme calado na sua languidez minuta,
Que ainda não sabe a proporção do amanhã,
Como a poeira que se levanta arrastando pilares,
Sem estúpidos tapetes
Para esconder sujeiras acumuladas.
Mas as mãos nuas cavam a terra,
Que não germina frutos, o ventre é seco,
Terra regada com lágrimas vãs.
E entre os dedos borra o desconsolo
Calçando o tempo de fartos minutos,
Que não vê a ruga no olhar,
Nem a debilidade em molambos caminhos.
Mas avante se envereda por errantes calçadas,
Rastros do ato a aviltar o corpo,
Migalhas trocadas por vis invasões,
Sem ao certo saber o estrago,
Só a manchar a alma e a rebocar sorrisos
Por ígneas promessas.
Logo vem sirenes a molestar,
Grades de ferro a gotejar descrença,
A açoitar a serpente do porvir,
Mas a calar a fome com um prato de comida.
Eis a falência dos sonhos,
Sobreviver é tudo ...




Do abismo ... à luz


Andei a procura do abismo
Lá em baixo pude ver o que já previa
E meus olhos se agonizaram num mar de desilusões
Aparentemente não era cansaço,
Uma via cruzes de imundas emoções
A lama a cobrir os lábios que balbuciavam
A dor, o medo, a solidão.
Assaltou-me o desejo de aviltar
E desmoronar paredes, pilares de ferro
Antigas construções
Todas no salutar de esquizofrênicos sonhos 
Já ruborizados de vergonha, véus cobrindo faces,
Mãos a rezar, a esperar, a clamar por luz
E eu ainda com os olhos inchados,
Tentando encontrar rastros,
Vestígios de uma dignidade perdida, ou camuflada
Entre intempéries, tempestades, laços rotos, lamas pelo corpo
E nenhuma luz, nenhuma gota de nada, só a sombra e o abismo
Entre o dia e a noite, o amanhecer e o anoitecer, o sol e a lua
Meus olhos a dançar, meu coração a trepidar, meu corpo a pregoar,
E tudo o que existe, de mim, do mundo, da vida
Escorrendo como a lava de um vulcão,
A devorar pastagens, flores, sorrisos imaculados.

Fecho os olhos já inflamados, afasto-me do abismo
Devagar, arrastando-me entre pedras e capim
Esforço soberano, a pele esfolada, o coração tentando respirar,
Os olhos tentando avistar, um bosque florido, um lago puro, um céu azul
Mas os pulsos já feridos, os joelhos a gritar, a força a escoar e esmorecer
O desejo perder-se pela abatia do corpo,
E a alma em solfejos de derradeiros suspiros.
Agora já é tudo longínquo; o abismo, o bosque florido,
Os sublimes sonhos e os dantescos pesadelos
Mas a luta ainda não é finda
E os ossos parecem reagir
As pálpebras a tremer levantam-se
O sangue volta a bombear o coração e a mandar estímulos à alma
O céu parece ter descido, a terra subido, o mar coberto por pastagens,
Campos invadidos por águas oceânicas
E meus olhos a contemplar uma vida que se regenera.
Respiro aliviada ao compreender
Que não mais terei eu
A buscar o abismo, ver a lama a pulsar
Pois tudo agora é luz.




Cantos de Guerra

 
Pelas trincheiras abarrotadas
Sentinelas se avizinham alinhavadas
Nos braços fortes carregam carabinas
E na farda esfarrapada projetam ao longe
Os infortúnios da missão incumbida.

Nos desfiladeiros sinuosos jazem
Corpos varados por balas de fogo
Envoltos por um tapete de sangue
Esquecidos no desleixo de um drama
Adormecidos corpos na lama.

No alto do céu voam andorinhas
Cantando lúgubres cantos de guerra
Que ressoam nos ouvidos
O canto pérfido dos canhões
Orquestra dos espavoridos.

Pervagando tortuoso caminho
Alarmados corações, sentidos em guarda
Pelas trilhas rebuscadas de tocaias
Heróicos soldados percorriam
Levando seus temores iam
Pelas emboscadas vinham.

Nos refúgios, moribundos aguardavam
O desfecho crucial do pesadelo
Que entre lamentos e invocações
Afogados no pranto mudo
Dos desgraçados que rogavam
Pela vida ou pela morte
Desditosa sorte.

A sede sufoca-lhes a garganta
Dos soldados combalidos nas caatingas
E não renunciam a batalha.
Soldados bravos, temidos soldados
Que lutam até o esvair da derradeira força
Morrem honrados, bravios soldados.

A derrota abate o inimigo entregue
E nas mãos triunfantes bandeiras erguem
Nos lábios ressequidos rasgam-lhes sorrisos
Misturados às lágrimas da comoção
Arrebatando-lhes o coração.

E choram o sangue dos companheiros
E mancham o estandarte de escarlate
A cor da valentia nas mãos feridas
E nas vestes em trapos,
E nos olhos lacrimejantes,
Olhos escarlates.




Folha Seca














O brilho extinguiu-se dos vivos olhos
A palidez mórbida da face
Escondeu o bronze da pele
E a secura impiedosa dos lábios
Afugentou o sorriso perolado. 
Da boca álgida, o grave timbre da voz
Perdeu-se na garganta febril
As mãos firmes ganharam um estranho tremor
Os músculos avantajados e rijos
Foram envolvidos por uma berrante atrofia
Esvaindo-se a força combalida.
Os alvos cabelos não dançam mais ao vento

Os sonhos adolescentes diluíram-se

Restando apenas fagulhas

Poeiras no vácuo coração.

Lágrimas lúgubres dispersam afogadas

De um suplício já sem voz
Cúmplice da euforia
Queimando a pele,
Consumindo a carne,
Embriagando a mente nociva,
Envenenando o sangue das veias
Obstruídas pela entorpecente seringa.
Na solidão das ruas sombrias
Passos trôpegos,
Vestes rotas,
Arrasta-se sem destino,
Tomba na calçada,
Deixa-se ficar lá.
O corpo esguio estirado no chão,
Como uma folha seca,
Que dá árvore despenca
Já sem forças para no galho se agarrar.
No peito, falta-lhe o ar,
A pulsação agita-se,
E os poros choram suor.
Os olhos esgazeados e absortos,
Profundas olheiras,
Sombras de um dantesco,
Perpétuo pesadelo.
Fecha os olhos dardejantes da febre,
Na mente ébria imagens lhe vêem
Um menino corre alegre
Repleto do regozijo da infância
Longínquas lembranças
Remotas ilusões.
Eis o desditoso presente
Caindo nos braços do óbito
Pelos turvos caminhos do tóxico
E todo o resto são cinzas.  




Ilusões















No litoral ando em círculos
Ouço vozes passeando pelas águas
Lágrimas salgadas do mar
E vejo nas nuvens seus olhos
Fulgentes em chama a me fitar
Onde o vento robusto canta
Na rouquidão de seus ruídos
A sôfrega melodia de nossos dias
Arfante noites, júbilos momentos
Junto a ti.
Passeio os olhos pela multidão
Fortes semblantes onde o sol cintilou
Não me trazem a paz
Que dorme no âmago vazio
Atrás de meu sorriso glacial
Úmido do pranto
Contida dor.
Ando passos morosos
A areia leva-me aos pés do pélago
E deito em seus braços
Deixando o corpo vagar.
O sol beija-me a face molhada
Doce despedida.
Fecho os olhos cúmplices da melancolia
E deixo ser absorvida pelo nada
Castelos tombados
Em meu leviano coração.
Os derradeiros pensamentos
São faíscas de um fogo
Que se apagou
E tudo o que resta
São ilusões.



Serpente da Culpa
















Eu ando sobre as águas
Do mar ébrio
Caminhos extremos, polvilhos de sol.
Danço na luz dardejante
De seus olhos
Pedras cristalinas
A rutilar a luz da lua.
Sinto congelar-me o sangue
Ardendo na veia
Explodindo na boca
A gotejar no chão
Terra argilosa
Fria,
Funda,
Escura,
O breu da cova úmida.
Sufoco-me com a saliva
Palavras proibidas
A doer no coração
E pesar
Na mente sã.
Tapo os ouvidos feridos
Do berro estridente
Doente,
Serpente da culpa
A espancar meus sentidos
Doridos,
Felinos do algoz pecado
O gozo do escárnio
A faiscar meus olhos escarlates
Molhados do pranto
Sucumbido.
Enterro-me no sádico
Perverso silêncio
Rouco do penar
E olho nos olhos
Demente,
Sementes da dor.
Na verdade eu só queria
Desfazer a mentira
Que espanca meu espírito,
Devora meus sentidos,
Esmaga minha alma,
Quando olho para ti.



Ansiedade



Pervagando caminhos estreitos
Luz que queima meus ombros
Noite que fustiga-me a visão.
De longe não posso ver
Toda a imensidão.
Caminho só na estrada
Levando em meus passos
Uma dor estranha
E uma brasa em meu peito
Sobressaída de leve e trás
Olhando o vago a procura
De um olhar
De um saber
O que dizem os seus olhos
Não sei.

Varejar um mar desconhecido
Águas que rompem a divisa
Queimam a pele, o sal
Brindam-me com o frescor,
O calor, o incrédulo do abismo
Já não vejo mais o sol
E as nuvens se esconderam
Dentro de um céu que já é noite.
Continuo vasculhando
Sem saber o encontro
Olhos que não vagam em lugar nenhum
Lágrimas que arrebentam o peito
E não se vê gotas de nada
Só o peito ofegante
A respiração entre sobressaltos
Ânsia de querer ver um olhar
Perdido, à toa, sem pressa, sem destino,
Na certeza de apenas estar
Por perto. 




VENDAVAL















Estou correndo de um vendaval
Olhos rebuscados de areia
Cabelos jogados ao léu do destino.
Tento encontrar uma saída
Paredes que me rondem
Atalho sigiloso onde eu possa sentir as mãos
Firmes no concreto.
Mas não há resguardo, tudo é  vasto
Imensas estradas que levam a lugar algum
Repletas de nada, só de vento e agonia
Espanto nos olhos bêbados, poeira na garganta seca
Espasmos a aturdir a mente ofuscada
Cansaço a fragilizar os músculos trôpegos.
Ouço um ruído distante assoprado com as areias
Vozes a me rogar a perseverança
E o espírito volta a ladear-se de obstinação.
Mas, a estrada é infinita e meus olhos não alcançam nada
Ando, corro, paro, respiro, choro, sento, deito, fecho os olhos
E meu corpo está a deriva, rijo de frio
A poeira cobre minha respiração, mas a mente está a navegar
Em mares contingentes.
Os pensamentos já não obedecem ao corpo,
Desvencilharam-se da dor, do medo, da agonia
E as vozes voltam para varrer as areias.
Abro os olhos e vejo a mesma estrada
O mesmo vendaval, a mesma euforia
Mas há algumas placas
Flechas a indicar novos caminhos
Um deles pode me afastar do vendaval
Mas temo errar a direção e me lançar em tormentos piores
E já não ando mais, o medo me paralisa
E as vozes se afastaram.
Estou quase me acostumando com o vendaval
Tento pensar que a poeira não é tão ruim
E que poderei resistir a tormenta.
Mas o tempo passa e a agonia aumenta
Já não posso mais suportar
E ando em direção aos caminhos
Escolho desvairada um deles
Tento confiar nas vozes que me guiam
E que voltaram a estremecer meu espírito
Palpitar o desejo de libertar-me.
Ao entrar logo sei do erro
Uma chuva fria e intensa desaba sobre mim
A força da água atrapalha minha visão
O frio me consome, e começo a ser apedrejada pelo céu
Fartos cubos de gelo despencam sobre minha cabeça
Só resta-me correr e procurar outro atalho
E novamente o medo e o desejo travam luta
 Mas a fé vence o medo.
Adentro em outro caminho, sinto um calor abrasante
O ar fica carregado, e a respiração se perde no clima escaldante.
Corro para outra estrada, agora temendo e destemendo o novo infortúnio
Sabendo que poderei encontrar outros piores
Mas sem nunca esquecer que um deles será o certo
E então não haverá mais agonia
E estarei livre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário