sábado, 2 de outubro de 2021

Todas pela vida


 Segundo a Organização Mundial de Saúde, um milhão de novos casos de câncer de mama são registrados no mundo a cada ano. A boa notícia é que a doença tem 95% de cura, quando diagnosticada precocemente. E mais do que a prevenção, as brasileiras que conseguem superar o câncer de mama (cerca de 40 mil mulheres por ano) contam com uma aliada fundamental nesta luta: a imensa vontade de viver. Por Vanessa Olivier

13 de novembro de 2008. Elizabete está num consultório sentada diante de sua mastologista. Espera o resultado da biopsia de um nódulo encontrado em sua mama esquerda há mais de 10 dias. Pela expressão no rosto da médica, pode prever que a notícia não será nada boa. “É um tumor e precisa ser retirado o quanto antes”, diz a médica. Elizabete sente o coração parar. No entanto, busca coragem para confirmar o que já sabia. “É maligno?”. “Sim, mas está no início”, responde a médica. Ao ouvir estas palavras, ela quase perde o ar.

Naquele momento, a sorocabana Elizabete Peres Caldana, hoje com 53 anos, entrava para a longa fila de novos casos de câncer de mama esperados para o Brasil em 2008 - 49,4 mil, segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), com risco estimado de 51 casos a cada 100 mil mulheres. Sem fugir à regra, ela sentiu o chão desabar. “Eu não esperava por aquele resultado. Achava que isso nunca iria acontecer comigo”, diz.

Elizabete não foi a única a pensar que estaria a salvo da doença. Segundo a Pesquisa Instituto Avon/Ipsos Percepções sobre o Câncer de Mama – mitos e verdades em relação à doença -, apenas 55% das brasileiras acham que podem desenvolver o câncer mamário. O estudo quantitativo realizado pela Ipsos Public Affaiars, em 2010, ouviu mil mulheres a partir dos 16 anos, em 70 cidades. No Brasil, estudos mostram que 60% dos casos têm diagnóstico tardio e 11 mil mulheres morrem, por ano, em decorrência da doença. Algo inadmissível se pensarmos que, quando diagnosticado em estágio inicial, esse tipo de câncer tem 95% de chance de cura.    

Elizabete, no entanto, apesar de achar que jamais seria surpreendida pela doença acabou sendo salva graças aos exames de rotina que vem fazendo, religiosamente, desde os 40 anos. E se hoje ela se alegra com pequenas coisas, como, por exemplo, um dia quente e ensolarado, no momento em que se descobriu doente, as cores do seu mundo perderam o brilho, ficaram opacas, como uma manhã fria e cinzenta de inverno.

Por incrível que pareça, a revelação daquela tarde de novembro não lhe trouxe lágrimas, e, sim, uma decisão difícil e radical: guardaria segredo sobre o câncer, pois a formatura de seu primogênito seria no próximo mês e o caçula estava se preparando para o vestibular. Também não teria coragem de contar à sua mãe, que ainda estava frágil pela morte do marido, há apenas um ano. “Eu não queria estragar a festa do meu filho que iria se formar em Direito, não poderia atrapalhar meu caçula no vestibular e nem afligir a minha mãe. Resolvi também não contar ao meu marido, que estava passando por momentos difíceis no trabalho. Achei melhor agir em silêncio, deixar a cirurgia para depois da formatura e encarar sozinha o medo da morte”, conta. 

Com o coração apertado, prática e extremamente racional, Elizabete chegou a escrever uma carta de despedida, documentando todos os detalhes que almejava para o seu enterro e os cuidados que esperava que tivessem com sua mãe, pois achou que não fosse sobreviver à cirurgia. “Vivi momentos terríveis em silêncio. Não recomendo isso para ninguém, pois eu poderia era ter morrido de enfarte, e não em decorrência do câncer”, brinca. “Mas apesar de toda a angústia que passei, valeu a pena, pois a formatura do meu filho foi um dos momentos mais felizes da minha vida”, garante.

Pelo fato de que o tumor ainda estava no início, Elizabete não precisou retirar toda a mama, mas teve que encarar seis dolorosas sessões de quimioterapia e outras 30 de radioterapia. O cabelo não caiu, mas o tratamento a deixou debilitada e não lhe faltaram mãos amigas para ajudá-la a vencer a doença. Apesar dos enjoos resultantes da quimioterapia, foi durante as sessões de radioterapia que Elizabete viu sua autoestima despencar. “O médico marca a caneta o local onde será feita a radiação. Antes do banho, não conseguia me olhar no espelho. Sentia-me marcada, como um gado, e isso me abateu”.

No entanto, quem a vê hoje, saudável e alegre, não imagina os dias sombrios pelos quais passou há tão pouco tempo. Curada, esbanjando beleza e simpatia, ela é agora uma nova mulher e, mesmo quando relembra o pesadelo de dois anos atrás, o verde de seus olhos não irradia tristeza, apenas esperança e muita fé.

 

Feminilidade abalada

O câncer de mama lidera o topo na posição das doenças mais temidas pelas mulheres, devido a sua alta frequência (ninguém está imune a ela) e, sobretudo, aos efeitos psicológicos, já que afeta alguns dos mais fundamentais símbolos femininos: seios, cabelos, fertilidade e libido. Ao ver-se doente, além da própria debilidade decorrente do câncer, a baixa autoestima é um mergulho ao mar negro da depressão. “As principais dúvidas são ligadas à estética. Ao cabelo que vai cair, à reconstrução mamária, aos efeitos colaterais em relação à sexualidade, à retirada da vida social. Isso tudo assusta muito”, diz a psicóloga clínica Elisa Maria Neiva Vieira, especialista em oncologia.

Segundo Elisa, como se não bastassem todos os problema decorrentes à doença, outros, como sentimentos não revolvidos, vêm à toa, acentuando ainda mais o quadro depressivo. “Muitas me procuram, durante a quimioterapia, já em estado avançado de depressão, com transtornos obsessivos compulsivos, sendo necessário apoio psiquiátrico. Outras chegam com problemas conjugais, pois, sem saber como lidar com a situação, alguns homens se afastam, o que contribui ainda mais para a baixa autoestima”, garante.   

Para Elisa, o suporte psicológico, não só para quem está vivendo a doença, mas também para aquelas que já passaram por ela, vem como uma terapia complementar para que a paciente tenha possibilidades de superar o passado e seguir em frente, com uma nova visão da vida.

E foi pensando em oferecer um suporte emocional mais intenso às mulheres vítimas do câncer de mama que, há dois anos, Elisa deu início a um belo trabalho: o Grupo Andanças. Atualmente com 10 integrantes, o grupo luta pela conscientização da importância da prevenção da doença e por outro objetivo ainda maior e mais profundo: a celebração da vida. Unidas pela doença, cheias de esperança e vontade de vencer, essas mulheres encontram apoio uma nas outras para superar todo o sofrimento causado pelo câncer e viver tudo o que a vida ainda as oferece.    

 

Beleza renovada

Há três anos, Ana Rosa Andrade, hoje com 50 anos, estava trabalhando quando recebeu a notícia que mudaria sua vida. Pelo fax, o resultado da biopsia de um material colhido de sua mama direita acusou o câncer de mama. Ao ler as palavras “carcinoma ductal”, ela disse à colega de trabalho: “Deu mesmo”. “Deu o que?”, perguntou a amiga. “O câncer na minha mama”. Apesar de, aparentemente, calma, Ana conta que sentiu um desespero silencioso e profundo: “Não chorei, não fiquei revoltada, não perguntei “por que comigo?”. Mas fiquei perdida, pois ainda tinha em mente a imagem da pessoa com câncer de muitos anos atrás, de definhar até morrer”, conta. 

Assim como Elizabete, Ana não precisou extrair toda a mama, apenas um quadrante. Porém, teve que se submeter a seis sessões de quimioterapia e 33 de radioterapia. Ao iniciar o tratamento, seu maior medo era de perder os cabelos. “Não é fácil pensar que “o cabelo cresce” quando é com a gente. Mas eu queria viver e fui em frente. O médico me falou das possibilidades de fazer uma peruca, de usar um lenço”. Antes mesmo que os primeiros fios caíssem, ela já havia providenciado uma peruca muito semelhante às suas madeixas naturais.   

Porém, certo dia, quando a queda de cabelo se acentuou, Ana decidiu que não esperaria mais. “Bateu um desespero. Chamei um táxi e corri até o salão. Quando me vi careca não fiquei chocada. Na verdade, achei minha cabeça bonita, gostei do formato, não foi tão ruim assim”, diz. E quem a viu, naquela época, caminhando pelas ruas da cidade ou pelo shopping, nem sequer imaginou que os cabelos loiros na altura dos ombros eram, na verdade, postiços. “Ninguém sabia e eu também não contei. Mas logo que o meu cabelo começou a crescer tirei a peruca”. E assim, de cabelo curto, Ana defendeu com brilhantismo sua tese de mestrado em Gerontologia, assim como lutou, com todas as suas forças, para salvar o seu bem mais precioso: a vida.   

 

Vida após o câncer

Ao ouvir a confirmação da doença, nove anos atrás, a protética e musicista Regiane Vieira Nunes da Costa, hoje com 39 anos, não conseguiu permanecer na clínica e deixou o consultório apressada, sem saber direito para onde ir. Naquele momento, ela apenas sabia que precisava correr e mais nada. Uma fuga inútil talvez, mas necessária para acalmar seu coração aflito. Sua irmã, que havia a acompanhado durante a consulta, a alcançou quando Regiane percebeu que não poderia simplesmente fugir. Era preciso encarar a realidade que batia pela segunda vez em sua porta.

O câncer de mama já havia acometido a outra mama (direita) de Regiane quando ela tinha apenas 15 anos. Ao contrário da primeira vez, ela optou pela mastectomia. “Depois do choque, decidi que tinha que me livrar do câncer e quis fazer tudo, retirar a mama toda. Encarei na boa, pois não pensava na estética, apenas em me curar”. Logo após a cirurgia, Regiane passou por outra ainda mais dolorosa: a reconstrução mamária. “Foi retirada uma parte do tecido subcutâneo do meu abdômen para fazer a reconstrução. O pós-operatório foi muito difícil. Sofri bastante”, conta.

O apoio da família, do marido e dos amigos, assim como a música, foi fundamental para a recuperação de Regiane, que, felizmente, precisou passar apenas pela radioterapia. Três anos depois, ela esperava o resultado de outro exame cujo resultado positivo traria lágrimas de emoção, e não de dor. Ela seria mãe. “Foi uma alegria muito grande para mim e para o meu marido. Um sonho que estava se realizando”, comemora.

Com o nascimento de sua filha, um novo desafio e uma nova vitória: a amamentação. “Ninguém achava que eu iria conseguir amamentar minha filha, pois com dois seios já é difícil, imagine com um! Mas tive a ajuda de uma vizinha, que é enfermeira. Segui todas as recomendações dela e tudo correu bem”. Regiane amamentou Raíssa até os 9 meses - algo que ela jamais pensou ser capaz um dia. E hoje, saudável, alegre e ainda mais bonita, Regiane é mais um exemplo de superação dos terríveis caminhos do câncer de mama. Mais do que isso, representa mais uma luta vencida nessa surpreendente batalha que se chama vida. (CORTAR ESSA ÚLTIMA PARTE EM LARANJA)


Cuide-se

Para quem está enfrentando o tratamento, o médico oncologista Amândio Soares Fernandes Junior, diretor da Oncomed – Centro de Prevenção e Tratamento de Doenças Neoplásicas orienta sobre algumas atitudes fundamentais para amenizar o sofrimento.

 

● Evite compartilhar produtos de limpeza de pele com outras pessoas para diminuir os riscos de infecções.

Prefira instrumentos descartáveis, como algodão, gazes, etc.

Use constantemente o filtro solar.

Se seu médico lhe informar que o cabelo vai cair, procure cortá-lo bem curto antes que isso aconteça. Se tiver interesse, providencie lenços ou peruca.

● Não use grampos, fivelas ou elásticos e evite produtos químicos, como tinturas, permanentes ou sprays.

● Caso se sinta inchada, com dores ou tenha qualquer efeito colateral, procure seu médico.

Mantenha a pele do rosto e do corpo sempre hidratada. Consulte um dermatologista.

 

Conheça seus direitos

Para auxiliar as mulheres diagnosticada com o câncer de mama, a nossa Constituição Federal garante uma série de benefícios. Se você está em tratamento ou já superou a doença, saiba aqui quais são seus direitos e não deixe de requisitá-los:

 

Reconstrução da mama: O Sistema Único de Saúde (SUS) passou a ser obrigado a realizar, gratuitamente, a cirurgia plástica de recontrução mamária em mulheres que sofreram mutilação total ou parcial da mama devido ao tratamento do câncer.

FGTS: É permitido sacar o saldo total quando o titular ou os dependentes sofram da doença.

PIS: Assim como no FGTS, é possível sacar o saldo total quando o titular ou os dependentes sejam diagnosticados com câncer.

Auxílio-doença: Se você teve atestada a incapacidade temporária para o trabalho pode requerer o benefício, desde que seja segurada do INSS.

Previdência privada: Uma vez previsto no contrato, o beneficiário tem direito a renda mensal se comprovada invalidez.

Imposto de renda: Benefícios de aposentadoria e pensão ficam isentos de IR.

Financiamento de imóvel: Se você teve compravada a invalidez permanente, pode solicitar a quitação do imóvel financiado pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH).

Compra de automóvel: Quem passou por mastectomia ou ficou com deficiência nos membros superiores ou inferiores torna-se isenta de IPI, ICMS e IPVA na compra de veículos zero quilômetro com câmbio automático e direção hidráulica. Mas antes da compra é preciso requerer a Carteira de Habilitação Especial no Detran. O automóvel também passa a ser liberado do rodízio. 

Transporte público: Em São Paulo e no Rio de Janeiro, quem for diagosticado com câncer tem direito a passagem livre nos ônibus e metrô.

Processos judiciários: Pessoas que estão em tratamento de câncer têm prioridade no julgamento de ações judiciais.

Aposentadoria por invalidez: Tem direito somente as pessoas que tiveram comprovada, por perícia médica do INSS, invalidez permanente para o trabalho.

Renda mensal vitalícia: Pacientes que comprovarem não ter meios financeiros de prover sua família podem solicitar renda mensal vitalícia de um salário mínimo.

 

Celebridades que venceram o câncer de mama

 

Shirley Temple – diagnóstico em 1972. Primeira celebridade a assumir publicamente o câncer de mama.

Kate Jackson – diagnóstico em 1987 e 1989.

Patrícia Pillar – diagnóstico em 2001.

Jaclyn Smith – diagnóstico em 2002.

Cynthia Nixon – diagnóstico em 2008

Christina Applegate – diagnóstico em 2008

 

Box

Vacina contra o câncer de mama

Recentemente, um grupo de cientistas do Cleveland Clinic Learner Research Institute criou uma vacina que impediu o desenvolvimento do câncer de mama em ratos. O estudo foi publicado na revista científica Nature Medicine. O resultado, surpreendente, revelou que os ratos vacinados com a substância não desenvolveram o câncer, o que não aconteceu com o restante deles. Mas, apesar dos bons resultados, ainda é cedo para qualquer tipo de conclusão. Os cientistas planejam iniciar os testes em humanos em breve, mas alertam que pode levar anos para que tenham uma resposta concreta sobre os efeitos da vacina. 

 

Outubro Rosa

Criado na Califórnia (EUA), em 1997, o movimento Outubro Rosa nasceu para despertar a atenção em relação à luta contra o câncer de mama, fortalecendo a importância do diagnóstico precoce e do acesso de qualidade ao tratamento da doença. Seu lançamento foi marcado pela iluminação de monumentos históricos na cor rosa, símbolo da luta contra o câncer, e tomou proporções mundiais. No dia 24 de outubro, pela primeira vez na América do Sul, aconteceu a Brasil Race for the Cure – a maior série de corrida e caminhada mundial de conscientização à causa -, que teve como sede o Rio de Janeiro, onde o Cristo Redentor recebeu uma especial iluminação na cor rosa. Em Sorocaba, o Grupo Andanças, formado por mulheres em tratamento ou recuperação do câncer de mama, realizou a 2ª Caminhada Outubro Rosa, além de promover a iluminação de casas e estabelecimentos comerciais em tons cor de rosa.

 

 

 

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