Inquieta e dona de um humor quase poético, Alessandra Maestrini tem os pés no chão, mas a sua arte não conhece paredes, tão pouco a trivialidade. Da dramaturgia à música, ela se movimenta com a leveza de uma bailarina e não dá para saber onde termina a cantora e começa a atriz, ou onde termina a menina do interior e começa a diva. Por VANESSA OLIVIER
Entro, às 11 da manhã, em seu quarto de
hotel, e a encontro fazendo as malas para dar continuidade a sua turnê Drama'n Jazz pelo interior do
Estado. Na noite anterior, tinha se apresentado, pela primeira vez, em
Sorocaba, sua cidade Natal. A estreia a encheu de orgulho e alegria por poder
compartilhar seus talentos artísticos
aos conterrâneos. ”A sensação é igual a de quem vai fazer formatura de
universidade. Eu sinto como se fosse um prêmio poder, finalmente, me apresentar
aqui. Foi muito especial", diz, com os olhos azuis cintilantes.
Alessandra me recebe vestida de maneira
informal, cabelos soltos naturalmente e sem um pingo de maquiagem no rosto. Não
lembra, nem de longe, a diva da noite anterior. No palco — seu universo
particular - estava em um sensual e chiquérrimo macacão, que reluzia um brilho
negro devido aos infinitos cristais swaroski, cabelos presos no alto
da cabeça e maquiagem impecável.
Mas apesar da simplicidade de seu visual,
de quem acabou de acordar e está ajeitando, despreocupadamente, as gavetas de lingerie,
no caso dela, a bagagem (sim, enquanto conversamos, Alessandra se ocupa em fazer as malas), é
possível perceber a musa (e a humorista) nas palavras cuidadosamente escolhidas
e articuladas, no riso fácil, solto e na força do olhar longÍguo ao buscar as
mais doces lembranças, como as do avô italiano Mário, chamado carinhosamente
por ela, na infância, por ”vô caecudo” (ele era careca, avisa), que retribuía o
apelido a chamando de "estrupício".
Ela conta que ganhou a alcunha durante uma
visita da família ao avô, que mora na Itália. ”Todo lugar que a gente ia, como
eu era a mais nova, devia ter uns 4 ou 5 anos, me deixavam escolher o que íamos
comer. E eu sempre respondia: pizza. E meu avô falava: 'esse estrupício só quer
pizza', aí pegou", Alessandra termina a história rindo até fazer o corpo
se curvar. E depois se entristece ao se recordar de sua atual dieta: ”Agora sou
uma pessoa que não come mais glúten, não posso nem comer pizza”, lamenta. ”Ah,
sério? Deve ser por isso que consegue manter a boa forma”, digo. Ela ri e diz,
tristonha, que fez um teste de intolerância alimentar e, segundo o resultado,
tudo lhe dá alergia. "Praticamente tenho que viver de fotossíntese. Mas
vou fazer outros testes pra confirmar”.
Além da dieta restritiva, o corpo esguio
de Alessandra é mantido por suas longas caminhadas, em companhia de bons amigos,
já que ela não é do tipo que rala em academia, ou corre horrores para manter a
barriga sequinha. "Adoro caminhar, e sempre tem um amigo desavisado que me
convida para caminhar na orla, e depois que andamos bastante, ele diz: 'quando
a gente vai parar de andar? Estou cansado", ela solta uma gargalhada enquanto dobra uma
peça de roupa. "E quando eu pego o telefone então, quanto mais eu falo mais
rápido eu ando".
Pensando bem, gostar de caminhar faz muito
sentido para ela. Estar constantemente em movimento, e para diversas direções,
é uma das mais fortes características profissionais de Alessandra. Atriz,
cantora, compositora e versionista, transita por diferentes faces dentro da
música e da dramaturgia. Nos palcos, na telinha e na telona, vai do riso ao
choro, do lírico ao jazz, do MPB ao rock. No campo da voz, a mágica brota
principalmente por ela ter quatro oitavas de extensão, um fenômeno raro no
canto que a permite interpretar perfeitamente estilos tão distintos.
Mas além do seu talento natural,
Alessandra convive com uma espécie de faniquito a estabilidade, algo que vira e
meche a leva sob uma infinita esteira mutável, que a apavora e também a torna
mais forte e mais feliz. ”Tenho medo e coragem junto, pois sem o medo a coragem
não existe. Se você não tem medo, também não tem coragem. Ao mesmo tempo, não
consigo ficar sem mudar, vai me dando uma agonia muito maior do que o medo de
mudar. É aquela velha história de que, às vezes, não fazer é mais difícil do
que fazer”. No caso dela, impossível. E se for levar para um nível astrológico,
totalmente incoerente. ”É engraçado que sou taurina, e dizem que o touro é um
signo muito fixo, só que eu tenho fogo no meu mapa astral. Sempre que vou fazer
o mapa, o astrólogo fala: 'você é uma taurina muito atípica, você não para
quieta'”, ela ri, balançando a cabeça, achando graça da própria inquietude.
"Tenho medo e coragem junto, pois sem o
medo a coragem não existe"
NUA EM CENA
Desde 1997, Alessandra mantém uma relação
muito íntima com os palcos, derramando, ali, aos olhos e ouvidos vigilantes da
plateia, toda a sua genuína arte de interpretar. A primeira vez que se revelou
ao público foi com o espetáculo As Malvadas, de Charles Mõeller e Cláudio
Botelho, que recebeu o Prêmio Sharp de Melhor Musical. No currículo, guarda
musicais como a superprodução Les Miserables (Os Miseráveis), Rent e o megasucesso Ópera do
Malandro, ambos protagonizados por ela.
Para Alessandra, 0 show Drama'n Jazz tem
uma esfera mágica, totalmente especial, que a faz entrar em contato com suas
mais densas emoções. De um modo clichê, é como ver nascer e crescer o primeiro
filho. "E o meu primeiro CD, meu primeiro show solo como cantora, meu
primeiro projeto pessoal, assinando produção também, em parceria com o Jorge
Elali Produções. Então é muito especial", ela fala sorrindo com os olhos.
No entanto, apesar de estar familiarizada
com aquele friozinho que congela sua barriga toda vez que entra em cena, o que agora
cutuca os temores dissimulados de Alessandra é outro. Estar no palco, desnudada
de personagens, fazendo ecoar sua voz com suas próprias expressões e maneira de
sentir a arte é o ponto central desse desafio. "É diferente, agora não tem
desculpa. Não posso mais dizer que chorei naquela hora porque era o personagem,
porque fazia parte do show. E uma explosão, é como estar nua, pois são os teus
sentimentos ali, o teu jeito de sentir aquilo, tua delicadeza, tua fragilidade,
tua força, tua feminilidade, tua virilidade".
Mas ela sabe que por trás de tanta
exposição sempre vem os louros do aprendizado. O principal deles é aquele mais transcendental:
o encontro com nós mesmos. "É aprender de si mesma, porque é um contato
direto com o público, não tem quarta parede, é mais corajoso, digamos assim.
Pelo menos para mim, alguém que sai de um lugar para o outro. Transição é sempre
uma novidade", reflete.
DESAFIO "CHICO”
Certo dia, Alessandra estava ouvindo um CD
de Marília Gabriela, ao lado de alguns amigos estrangeiros de sua mãe. Assim
como ela, eles se encontravam totalmente embasbacados pela beleza da música
brasileira. Foi ai que uma ideia iluminadora atravessou a mente inquieta de
Alessandra. "Naquela hora eu pensei que era uma pena eles não estarem
entendendo a poesia, porque uma das partes mais importantes da nossa música é a
poesia. Aí eu decidi tentar fazer com que eles entendessem".
Ela conhecia muito bem a complexidade do
desafio que vinha pela frente, pois se traduzisse literalmente a canção, a
estragaria, ou se criasse uma nova letra não estaria contando a verdadeira história.
E isso era o que a estimulava, a simples ideia de que poderia encontrar a
resposta para uma pergunta laboriosa. "Fiz, ficou legal, e aí fiz outra. Quando vi, já
tinha feito o CD inteiro”. Mas ela queria mais. O "mais” se tornou
infinitamente maior quando pensou no quão instigante seria encontrar as
palavras perfeitas para as obras de um dos maiores ícones da cultura nacional,
Chico Buarque. "Consegui fazer a Beatriz, assim, fácil. Ai eu falei:
'gente, eu sei fazer isso'”, comemora.
Empolgada, Alessandra verteu para o inglês
outras composições de Chico, como a Eu Te Amo, que integra as faixas de seu CD.
Depois de prontas, ela enviou as letras ao compositor por email. E aí veio a
maior de todas as gratificações: pela primeira vez, ele deu sua bênção a uma
versão de sua música. "Ele aprovou todas. Me ligou, fez um monte de
elogios, falou que todos os dias recebe email de gente querendo verter sua música e ele nunca aprova. Disse que
estava muito feliz, porque fui bastante fiel à sua poesia, a sua essência”, ela
vibra com a lembrança, emocionada.
"Só o humor salva"
O contraponto de seu talento é o que a
torna ainda mais especial: se por um lado, emociona muita gente com o alcance arrepiante
de seu vocal, por outro, também arranca gargalhadas por seu humor refinado.
Como esquecer a hilária Bozena, do sitcom Toma lá dá cá? Neste ano, ela também
viveu uma noiva
muito sinistra, que decidiu se casar com
um noivo morto, em sua participação especial no seriado Pé na Cova. Ainda neste
ano, também deve estrear a comédia A primeira missa, dirigida por Oscar
Magrini. ”O filme é muito engraçado, nas gravações a gente morria de rir. É
sobre a dificuldade de fazer filme no Brasil. Se eu sou uma índia, por aí já dá
pra imaginar".
Mas é certo que o bom humor de Alessandra
ultrapassa as câmeras e não perde uma oportunidade de dar o ar de sua graça
para deixar o dia dela mais leve, principalmente nos momentos mais críticos.
"Uma vez, eu estava triste, chorando e, de repente, comecei a rir. Meus
amigos me perguntaram do que eu estava rindo e eu disse: 'eu não consigo parar
de chorar, estou achando isso hilário'”, ela mal consegue terminar a frase e o
riso vem apressado e, ao mesmo tempo, deliciosamente sem pressa. ”Eu costumo
dizer que só o humor salva. Então, há o que eu chamo de alegria de viver, algo
que faz parte da minha essência, graças a Deus”, diz, levantando as mãos para o
céu.
'eu não consigo parar de chorar, estou
achando isso hilário'
Além de ser essencial em situações
críticas, para ela, o senso de humor também é uma espécie de feromônio, ou
seja, um tempero crucial no jogo da conquista. "O cara não precisar ser
hilário, mas ele tem que entender suas piadas, você não precisa ser hilária,
mas você precisa acompanhar o humor dele porque achar graça das mesmas coisas é
importante. Mesmo que você não veja graça, que, pelo menos, se divirta
do fato de ele achar aquilo engraçado”. E,
pelo jeito, ela vem se divertindo bastante ultimamente. Quando pergunto como está
seu coração, ela diz: "Eu estou feliz, mas não vou falar mais do que
isso", e ri um riso de orelha a orelha, revelando muito mais do que
gostaria.
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