terça-feira, 24 de maio de 2016

Desconexa



Não consigo calar meu silêncio
Não dá pra gritar mais alto do que o vazio
E a minha agonia sempre foi palpável.
Estranhas contradições me perseguem
Como um beijo sem o toque
Ou uma saudade do que não existe.

Vivo assim, a espreita
De algo real, permanente
Que me cale as vozes baixas
E me faça gritar mais alto
Do que os mudos brados em minha mente.

Talvez um dia eu possa pedir
Só um pouco de silêncio
Um espaço no vazio
Um beijo nos lábios
Um pouco mais de mim
Um pouco de alguém.






Por Vanessa Olivier

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Dor Feliz

Ao abrir os olhos e levá-los ao alto, avistou a borda do colchão macio e, imediatamente, suas costas reclamaram da aspereza do piso laminado. Não sabia como havia parado ali, no chão frio de seu quarto solitário. Era a terceira vez que acordava, no meio da noite, fora do aconchego de sua cama. E apesar do desconforto, não sentia nenhuma vontade de se deitar naquele espaço, hoje vazio, que um dia acalentara muitas noites de amor.  Preferiu continuar ali, estendida em meio à sua dor, que apesar de feri-la cruelmente, também oferecia um modo mordaz de preencher as lacunas da sua recente viuvez.
Lili queria apenas dormir, não era capaz de lidar com aquele sentimento corrosivo que tirava dela a alegria de viver. Estava irritada, com raiva da saudade que a flagelava todos os dias, principalmente, às noites, privada de ouvir a respiração ruidosa do marido, ou sentir os braços dele enlaçando seu corpo dormente durante cálidas madrugadas. Seu ódio por tudo aquilo era tanto que desejou, com toda força, poder esbofetear a saudade e gritar para ela os mais terríveis insultos.
Após ter adormecido embalada por pensamentos insensatos, acordou horas depois, quando as luzes da manhã já penetravam apressadas pelas frestas da janela do quarto. Lili levantou-se sem vontade, olhou demoradamente para a cama arrumada e foi despertada de seus devaneios com um som que parecia ter vindo da suíte. Descalça, andou na ponta dos pés e se postou ao lado da porta entreaberta do banheiro. Seu coração deu um salto ao ver, pelas frestas, um vulto se mexer lá dentro. Analisou o quarto a procura de algum objeto que pudesse se transformar em uma arma e sorriu quando seus olhos alcançaram o abajur de madeira maciça sob o criado mudo.
Foi buscar o objeto, pé ante pé, e depois voltou com ele ao lugar onde estava. Esperou um pouco, ao lado da porta, que o vulto saísse, mas o seu coração era como uma metralhadora viva, e ela precisava agir. Segurando o abajur com as duas mãos acima da cabeça, chutou com força a porta, escancarando-a. Subitamente, a cor sumiu de seu rosto. Pensou que iria desmaiar, mas a paralisia abrupta de seus membros não permitiu que ela movesse nem ao menos os olhos. Prendeu a respiração por um tempo acima do normal e só a soltou quando seus pulmões começaram a gritar por socorro.  – Isso é impossível! – murmurou estarrecida.
Lili não podia acreditar no que via. O seu desejo insano aflorado com tanto afinco na noite passada estava ali, à sua frente, dentro de seu banheiro. Era real, tinha agora um corpo e um rosto que Lili prontamente os reconheceu. Os olhos de Lili se encheram de lágrimas e ela chorou porque não era capaz de qualquer agressão. Ao conseguir se mexer novamente, abaixou os braços e repousou o abajur no chão. Enquanto as lágrimas dela escorriam derrotadas por sua face pálida, a saudade sorria. Lili estava chocada por descobrir que não a odiava tanto quanto imaginara.
A saudade tinha olhos meigos e um sorriso infantil. Seu rosto era sereno e estranhamente familiar. No primeiro momento, ela tinha a forma de uma criança, mas conforme o tempo passava, adquiria expressões cada vez mais adultas.
- Estou aqui agora. Faça o que desejou – falou a saudade, e o som da sua voz era indecifrável, nem agudo, nem grave. Mas era impossível para Lili esboçar qualquer reação.
- Não posso. – Lili teve vontade de abraçar a saudade, mas ainda não podia reagir.
- Eu sou as suas lágrimas, sou a sua dor.  Eu faço você sofrer todos os dias e noites. Sou eu o seu pior tormento. – A saudade continuava serena, impassível, ainda com aquele sorriso no rosto, e tinha a expressão de uma criança, embora seu corpo agora parecesse pertencer a um idoso.
Lili lembrou-se das noites que chorou, com o rosto colado no piso laminado do quarto, até o cansaço ser maior que a dor, lembrou-se de todas as manhãs que acordou sozinha na cama e ouviu o som do chuveiro ligado (ele sempre despertava antes e jamais a acordava), lembrou-se do lugar vazio na mesa do café da manhã e de todas as vezes em que ele preparou para ela deliciosas rabanadas para o desjejum. De repente, o sentimento da noite anterior voltou com mais intensidade e ela estava tomada de ódio. Proferiu os nomes mais horríveis que vieram em sua mente e, insana, avançou com as mãos fechadas em punho, prontas para golpear a saudade. Mas se deteve.
   Novamente, a saudade tinha a forma de uma criança e seus olhos emanavam tristeza e amor. Misteriosamente, o ódio de Lili deu lugar a um sentimento novo, parecido com gratidão. Ela começou a entender que não era certo odiar a saudade, percebeu que não queria feri-la, tão pouco fazê-la desaparecer. A saudade era uma dor necessária e urgente. Sem ela, haveria apenas o vazio. E nada no mundo poderia ser pior do que o vazio, pensou Lili. Finalmente, abriu os braços e acalentou a saudade. Ela era a sua eterna companheira. A dor mais feliz que poderia sentir. E suas lágrimas misturaram-se ao seu riso.  


Por Vanessa Olivier

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Tudo .... basta


Os ruídos parecem distantes
Longe demais para ouvir
Em volta, logo à frente, ao lado
Em baixo, em cima,
Mas longe...
A tristeza já morreu, agonizou,
Mesmo estando ali,
Num canto do coração
A dor latejando, ferindo
Mas inócua ....
O vento corre, assopra, grita
Gela o sangue, arranca arrepios
E parece quente,
Mesmo a envolver o corpo trêmulo
Mas cálido ...
As horas dormem
Mesmo o tempo estando em pé
Apressado para a hora do crepúsculo
Mudando paisagens
Esbranquiçando cabelos,
Enrugando sorrisos, 
Mas congelado ...
Os ruídos se espalham
A tristeza finca as garras
O frio eriça cabelos
O tempo não para
No entanto tudo é longe
Tudo é paz, calor, repouso
Tudo não existe
E o que existe é tudo
Só o amor basta ....

Por Vanessa Olivier

Ausência

Um vazio no céu refletiu meu olhar
Não estava você
Nenhuma constelação,
Nem Vênus, nem Marte
Só o brilho lânguido de uma lua
A derramar uma luz latente
Orvalhada de saudade
E amor

Não era solidão
Nem tristeza calada
Não havia espaço para o penar
Ausência faz tremer de um frio oculto
Comprimi sem mãos o coração
Mas não deixa lágrimas
Um sorriso apenas,
Um denso suspiro
E a certeza do amanhã
Amor álacre a saciar
Desmedida saudade.

Por Vanessa Olivier

terça-feira, 17 de maio de 2016

Caminhos Turvos

      Caminho na estrada longa
Com pedras e pedregulhos
Buracos e desvios
Caminhos turvos.
Olhos baixos, pensamentos embriagados
De fome, corroendo meu espírito
São.
No meu delírio simultâneo
Ouço vozes, alarido,
E um ganido de dor.
Imagens camufladas
Transpassadas de fúria
Risos coléricos e uma lágrima nas pálpebras de teus olhos
Profundos cristais.

Caminho na estrada longa
Débil sonho
Coberto de flores
Emana o cheiro da morte
E degusto com prazer
O mel do pecado
Que escorre dos teus lábios
Tépidos.
Desfruto zombeteira 
A chama ardente de um
Vulto sádico
Que circunda meus olhos
Febriz, rubros
Da cor escarlate de meu batom.
Rogos apelos
Nos olhos veneno
De quem tudo quer
Caminhos torpes.

Por Vanessa Olivier

Primeiro encontro


Os olhos ainda embutidos
Pela sofreguidão demasiada
O primeiro encontro.
Umedece os lábios com a ponta da língua, e
Arfa-lhe os seios, e
Fogueiam-lhe as bochechas coradas,
Sente ferver-lhe a pele quente,
Aspira o ar perfumado,
Repleto de uma essência afrodisíaca.
Os lábios lúbricos
Entregam-se insaciáveis ao toque abrasador dos lábios dele.
Os olhos vívidos
Fecham-se caindo nas mãos da volúpia.
Amolecem os braços tombando no ar,
Sente o corpo dormente.
Ele segura-lhe a cintura delgada,
E ela, esmaecia de paixão,
Incandescida pelos beijos árdegos,
Os quais afloravam-lhe a pele,
E desabrochavam-lhe a tímida flor.

Por Vanessa Olivier

Na Contra-mão


Eles não estavam querendo conversa. O mais velho buscava em vão no azul do céu algum sinal, só não se sabia de quê. Flávio saiu ressabiado, ainda expiando por cima dos ombros, um olhar meio de esquina, aquele que não quer ser percebido, mas tem esperança de alcançar algo. Dobrou a quadra, temeroso de que alguém o visse caminhando na contra-mão de seus valores, sem lenço, documento e razão. Pensou em voltar, quem sabe os irmãos ainda poderiam mudar de ideia, antes que ele se afundasse de vez na lama do degredo. Mas era tarde, sua vida agora valia não mais do que alguns centavos, e o serviço sujo tinha hora para terminar.
O caminho parecia demasiado pequeno. Tentou encurtar os passos para ganhar tempo e pensar no que fazer. Suas mãos estavam frias, apesar do calor de quase quarenta graus. O frio vinha de sua alma, já que ele não mais sabia se ainda a tinha. De longe viu Dalila, brincando com as tranças de aplique, um sorriso maroto e, ao mesmo tempo, ingênuo, olhos de quem já conheceu a face mais podre de todo o submundo, mas que ainda acredita que a vida pode ter um tom rosa, da cor do vestido que ressalta suas curvas fortes de macho-fêmea.
Ela percebeu que Flávio a olhava, mas toda sua sensibilidade de alma feminina não poderia ser capaz de adivinhar o que se escondia naquele olhar. Retribuiu-o sem ao menos saber que feição teria seus olhos cor de avelã, sustentando longos cílios negros postiços, e um tom de azul ofuscante nas pálpebras. Mas Flávio desviou o olhar e sentiu um suor fino pingar de sua fronte. Dalila deu de ombros, e voltou a atenção aos companheiros que vislumbravam nela um prazer o qual ainda poderia satisfazê-los na mediocridade de uma vida sem valias.
Ele subiu a rampa de solo batido, sentindo que o fim da linha se aproximava. Acendeu um baseado para consumir suas entranhas e calar o nervosismo que já atingia seus órgãos vitais. Esperou recostado à parede suja, cheirando a fumo pesado de quem já se aventurou por espaços ilusórios, encontrando o céu e o inferno e acabando num chão frio, leito dos covardes e de quem não tem mais nada. Lembrou-se do tempo em que acreditava poder levar a vida, sem perceber que a vida o levava, nem sempre para onde queria ir. Acabou perdendo de vez a direção, e sem oferecer resistência, chegou ao mais baixo degrau de sua escala.
Flávio continuava aspirando e respirando a fumaça de poluentes compulsivamente, até que sentiu os lábios dormentes e o coração cavalgar num ritmo mais lento, no compasso de sua força, aquela consciente. Ouviu passos arrastados, mas não atinou os sentidos para o que estava por vir. Sua força inconsciente tentava reagir, mas defrontava-se com o medo, algo tão forte que ganha corpo e corrompe mais do que o dinheiro. Sentiu uma mão pesada segurar firme seu ombro esquerdo e percebeu que precisava reagir, o mais rápido possível.
- Desembucha - disse o brutamonte de nariz grande e olhos pequenos, que mal se percebe que estão abertos, no ávido desejo de saber quem havia dedurado seu plano de fuga para poder pedir a cabeça do “alcaguete” traidor.
Flávio apagou o cigarro na parede e não ousou desencostar dela, pois sentia as pernas frágeis como uma pena solta ao vento. Lembrou-se da promessa dos irmãos, da lâmina que riscaria sua garganta no escuro de uma cela fria, do sorriso de Dalila que poderia até apaziguar os horrores da enorme jaula, do dia em que foi pego com 50 quilos de maconha, das lágrimas de sua mãe, da promessa que havia feito ao pai falecido, que teve a vida a prêmio por um grupo de “alcaguetes”, da noite confusa na qual quase não se via nada, a não ser homens fardados desferindo golpes de cacetetes contra um grupo feroz de pessoas condenadas na vida e na morte após uma tentativa frustrada de fuga, e voltou o olhar ao gigante de olhos quase invisíveis, que já demonstrava falta de paciência.
- Como é que é malandro? Foi o traveco ou não? - falou o brutamonte, expelindo salivas ao pronunciar as palavras com um timbre grave, quase igual ao ronco de um estômago faminto.
E, novamente, a ameaça dos irmãos “alcaguetes” gritou nos ouvidos de Flávio, o olhar despreocupado e inofensivo de Dalila, com suas tranças de aplique, invadiu suas retinas, assim como a noite confusa que começou na enfermaria quando um grupo de presidiários chegou escoltado para receber cuidados médicos, entre eles, os irmãos e Dalila. Flávio, auxiliar de enfermagem e detento do presídio “Vale das Pedras”, surpreendeu uma conversa entre os irmãos e um tira, na qual um plano de fuga estava sendo dedurado, em troca de pequenos favores. E já sabendo que a bomba poderia estourar na sua mão, tentou fazer-se de rogado, mas foi logo descoberto e incumbido da missão de acusar alguém que incomodava, simplesmente porque tinha alegria e não devia nada a ninguém. 
 ­­- Nunca vou ser cagueta - a frase saiu sem querer, pois Flávio repetiu em pensamento explicito o que havia prometido ao pai morto a tiros nos becos do submundo.
- Como é que é? - os olhinhos do brutamonte se arregalaram tanto que até deu para ver a cor que tinham.
- Não ... é, espere - Flávio perdeu o ar, e imaginou o gosto do sangue escorrendo por sua garganta e a vida o levando para onde sempre temeu. O medo criava celas imensas que afugentavam sua força inconsciente e o único valor que se orgulhava de ter em sua vida de misérias. Para ele, entregar alguém era terrível e pior era acusar um inocente, ainda mais Dalila, que não se furtava de distribuir sorrisos mesmo sendo os seus dias de pura dor e solidão. Se falasse a verdade, ou se fizesse de surdo e mudo morreria de uma vez só, mas se mentisse, a morte poderia vir lentamente, todos os dias um pouco, até que a última gota de vida se esvaísse de sua vil carcaça.
 E sem pensar mais em nada, a resposta veio suada, carregada de uma vida, um ser humano todo, tudo o que ainda restava a Flávio e que seus caminhos torpes lutavam para roubá-lo e levá-lo ao lugar no qual nunca quis estar: no lamaçal de seus valores.
- Não foi - a voz saiu rasgada, como uma tosse de cachorro louco.
- Então quem foi? - desta vez, inúmeras partículas de saliva saíram junto com a voz de ronco de estômago do gigante de olhinhos minúsculos e foram encontrar o rosto pávido do ajudante de enfermagem.
- Não sou cagueta - disse Flávio, sentindo as pernas úmidas com a urina que escorria incontrolavelmente por dentro da calça jeans, mas, que, contrariamente, demonstrava uma incrível coragem diante de um mundo de brutamontes covardes e de quem da vida já não tem mais nada.  

Por Vanessa Olivier

terça-feira, 3 de maio de 2016

Explosão




Um encontro ... um olhar .... um beijo

Lábios que se tocam ... um calor que percorre

E atravessa o corpo .... transpira

Respiração afoita ... sente o gosto do prazer
Lábios tépidos, macios, úmidos 
Emoção que queima a pele, febril 
Fecha os olhos, mas as retinas vêem a explosão 
E não há nada ao redor, nem o dia, nem a noite,
Nem o hoje, nem o amanhã ....


Por Vanessa Olivier