Ao abrir os olhos e levá-los ao alto, avistou a
borda do colchão macio e, imediatamente, suas costas reclamaram da aspereza do
piso laminado. Não sabia como havia parado ali, no chão frio de seu quarto
solitário. Era a terceira vez que acordava, no meio da noite, fora do aconchego
de sua cama. E apesar do desconforto, não sentia nenhuma vontade de se deitar
naquele espaço, hoje vazio, que um dia acalentara muitas noites de amor. Preferiu continuar ali, estendida em meio à
sua dor, que apesar de feri-la cruelmente, também oferecia um modo mordaz de
preencher as lacunas da sua recente viuvez.
Lili queria apenas dormir, não era capaz de lidar
com aquele sentimento corrosivo que tirava dela a alegria de viver. Estava
irritada, com raiva da saudade que a flagelava todos os dias, principalmente,
às noites, privada de ouvir a respiração ruidosa do marido, ou sentir os braços
dele enlaçando seu corpo dormente durante cálidas madrugadas. Seu ódio por tudo
aquilo era tanto que desejou, com toda força, poder esbofetear a saudade e gritar
para ela os mais terríveis insultos.
Após ter adormecido embalada por pensamentos
insensatos, acordou horas depois, quando as luzes da manhã já penetravam
apressadas pelas frestas da janela do quarto. Lili levantou-se sem vontade,
olhou demoradamente para a cama arrumada e foi despertada de seus devaneios com
um som que parecia ter vindo da suíte. Descalça, andou na ponta dos pés e se
postou ao lado da porta entreaberta do banheiro. Seu coração deu um salto ao
ver, pelas frestas, um vulto se mexer lá dentro. Analisou o quarto a procura de
algum objeto que pudesse se transformar em uma arma e sorriu quando seus olhos
alcançaram o abajur de madeira maciça sob o criado mudo.
Foi buscar o objeto, pé ante pé, e depois voltou com
ele ao lugar onde estava. Esperou um pouco, ao lado da porta, que o vulto
saísse, mas o seu coração era como uma metralhadora viva, e ela precisava agir.
Segurando o abajur com as duas mãos acima da cabeça, chutou com força a porta,
escancarando-a. Subitamente, a cor sumiu de seu rosto. Pensou que iria
desmaiar, mas a paralisia abrupta de seus membros não permitiu que ela movesse
nem ao menos os olhos. Prendeu a respiração por um tempo acima do normal e só a
soltou quando seus pulmões começaram a gritar por socorro. – Isso é impossível! – murmurou estarrecida.
Lili não podia acreditar no que via. O seu desejo
insano aflorado com tanto afinco na noite passada estava ali, à sua frente,
dentro de seu banheiro. Era real, tinha agora um corpo e um rosto que Lili prontamente
os reconheceu. Os olhos de Lili se encheram de lágrimas e ela chorou porque não
era capaz de qualquer agressão. Ao conseguir se mexer novamente, abaixou os
braços e repousou o abajur no chão. Enquanto as lágrimas dela escorriam
derrotadas por sua face pálida, a saudade sorria. Lili estava chocada por descobrir
que não a odiava tanto quanto imaginara.
A saudade tinha olhos meigos e um sorriso
infantil. Seu rosto era sereno e estranhamente familiar. No primeiro momento,
ela tinha a forma de uma criança, mas conforme o tempo passava, adquiria
expressões cada vez mais adultas.
- Estou aqui agora. Faça o que desejou – falou a
saudade, e o som da sua voz era indecifrável, nem agudo, nem grave. Mas era
impossível para Lili esboçar qualquer reação.
- Não posso. – Lili teve vontade de abraçar a
saudade, mas ainda não podia reagir.
- Eu sou as suas lágrimas, sou a sua dor. Eu faço você sofrer todos os dias e noites.
Sou eu o seu pior tormento. – A saudade continuava serena, impassível, ainda com
aquele sorriso no rosto, e tinha a expressão de uma criança, embora seu corpo
agora parecesse pertencer a um idoso.
Lili lembrou-se das noites que chorou, com o
rosto colado no piso laminado do quarto, até o cansaço ser maior que a dor,
lembrou-se de todas as manhãs que acordou sozinha na cama e ouviu o som do
chuveiro ligado (ele sempre despertava antes e jamais a acordava), lembrou-se
do lugar vazio na mesa do café da manhã e de todas as vezes em que ele preparou
para ela deliciosas rabanadas para o desjejum. De repente, o sentimento da
noite anterior voltou com mais intensidade e ela estava tomada de ódio. Proferiu
os nomes mais horríveis que vieram em sua mente e, insana, avançou com as mãos
fechadas em punho, prontas para golpear a saudade. Mas se deteve.
Novamente,
a saudade tinha a forma de uma criança e seus olhos emanavam tristeza e amor. Misteriosamente,
o ódio de Lili deu lugar a um sentimento novo, parecido com gratidão. Ela
começou a entender que não era certo odiar a saudade, percebeu que não queria feri-la,
tão pouco fazê-la desaparecer. A saudade era uma dor necessária e urgente. Sem
ela, haveria apenas o vazio. E nada no mundo poderia ser pior do que o vazio,
pensou Lili. Finalmente, abriu os braços e acalentou a saudade. Ela era a sua
eterna companheira. A dor mais feliz que poderia sentir. E suas lágrimas
misturaram-se ao seu riso.
Por Vanessa Olivier
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