Um dia, sentada em frente ao espelho, percebeu que uma linha
fina se formava entre suas sobrancelhas delineadas todas as vezes em que ela
franzia a testa. Notou que a linha ficava um pouco mais suave quando ela
relaxava o rosto. Era a primeira ruga que havia observado em seu semblante
jovem e plácido. Mas, a partir daquele momento, sua serenidade se desviou numa
curva que não deixa marcas visíveis.
Foi naquele dia que ela descobriu algo evidente, porém,
inimaginável. Se aquela expressão marcava seu rosto com uma linha fina visível,
que se tornaria cada vez mais profunda com o passar do tempo, deixar de fazê-la
poderia ser a chave para retardar ou até mesmo evitar uma ruga profunda. Então
ela passou a se policiar para não mais franzir a testa até que aquele
comportamento incomum se tornou um hábito.
Toda vez que ela se espantava com algo, se irritava ou
quando tentava enxergar por entre a luz radiante do sol, simplesmente respirava
fundo e, calmamente, balbuciava: “O que?”. No caso da luz do sol, apenas
evitava que seus olhos fossem ao encontro dela. E assim, a ausência dessa
expressão em seu rosto deu lugar para outras, pois ela percebeu que poderia
evitar mais sinais na pele caso deixasse de sorrir, chorar, gargalhar, gritar e
assim por diante. “É tão simples evitar as rugas”, pensava ela.
Mas ao longo dos seus dias, acontecimentos inevitáveis
tornavam seu propósito cada vez mais difícil. Era praticamente impossível não
chorar toda vez que seu coração era partido por um homem, ou não rir quando
saía para se divertir com as amigas, ou não se irritar ou se estressar quando
alguma coisa dava errado no trabalho. Manter o semblante sereno estava ficando
cada vez mais difícil diante dos acontecimentos corriqueiros do dia a dia. Com
isso, outros sinais indesejáveis começavam a ser notados em seu belo rosto.
Diante do espelho, ela analisava todas as linhas que se
formavam com cada expressão. Uma espécie de pânico começou a se formar bem no
meio de seu estômago, como um redemoinho de emoções pronto para sugá-la para
dentro de si mesma. As lágrimas explodiam descontroladas por sua face e, na sua
mórbida insensatez, tomou uma decisão perigosa. A partir daquele dia, não mais
sairia com as amigas, não conheceria outros homens, assistiria apenas a filmes
que não a fizessem chorar ou gargalhar, deixaria de tomar sol, e mudaria de
emprego, algo que fosse mais tranquilo, mesmo que pagasse infinitamente menos.
Assim foi. Com o passar do tempo, os convites das amigas se
findaram, o trabalho passou a ser uma rotina demasiadamente tediosa, seus dias
de flerte ficaram para trás e, o sol, guardado por trás das cortinas de sua
casa. Finalmente, ela seguia firme no seu propósito, mantendo um rosto sempre
sereno, com pouquíssimas linhas de expressão.
Anos depois, em frente ao espelho, notou que as linhas em
seu rosto continuavam muito suaves e se alegrou muito com isso, mas sem deixar
que uma expressão de felicidade atravessasse seu semblante. Ela estava
conseguindo atingir seu objetivo, não aparentava, nem longe, a idade que tinha.
Seu rosto continuava bonito, sua pele, lisa. Entretanto, depois de alguns
longos minutos observando a própria aparência, percebeu algo novo que quase
roubou o ar de seus pulmões, deixando-a perplexa.
Diante do espelho estava uma mulher de 59 anos, cabelos escuros
e sedosos que caiam ondulados por seus ombros eretos, pele clara sem sinais de
rugas mais proeminentes, apenas algumas linhas finíssimas que até lhe davam um
ar ainda mais elegante, lábios levemente cheios, hidratados e roseados,
contornos ainda suaves e surpreendentemente sólidos. Era, sem dúvida, uma bela
mulher. Mas o que a espantou foi algo tão gritante e que, de forma
incompreensiva, havia passado batido por suas análises anteriores.
Os olhos dela, redondos, delineados por um lápis fino e
adornados por longos e curvados cílios, não exibiam olheiras por baixo deles,
tão pouco, bolsas, apenas alguns traços imperceptíveis dos anos passados. A cor
das íris eram castanhas, as pálpebras continuavam rijas e aparentes, mas não foi
nada disso que havia chamado sua atenção. Algo neles a encheu de pavor e tudo o
que havia feito desde então para evitar as temidas rugas parecia desmoronar
diante de si. Um mundo desprovido de sensações, uma vida que não foi vivida.
O rosto bonito e jovem que lhe encarava de volta no espelho
não era dela. Aqueles não eram seus olhos, a mulher diante de si não era ela. Sem
se dar conta, ela havia se transformado em um ser desprovido de humanidade, era
como um andrógeno ou um alienígena. Seus olhos castanhos não tinham brilho,
eram como dois botões irrelevantes de uma blusa. Sua pele, embora ainda um
pouco fresca, não havia luminosidade, era como a borracha usada para construir
uma boneca barata. Ela era uma imitação patética de um ser humano.
De repente, o redemoinho, que quase rasgou seu estômago anos
atrás quando decidiu evitar qualquer emoção mais forte capaz de transparecer em
seu rosto, tornou a fervilhar dentro dela. Era como se tudo o que deixou de
viver, cada lágrima, cada riso, cada suspiro, cada grito ganhasse vida própria
e se aboletasse na boca de seu estômago. Naquele momento, ela teve certeza
absoluta de que iria explodir. Mas não explodiu.
Em vez disso, perdeu os sentidos e seu corpo forte caiu
amolecido sobre o piso frio. Quando recobrou a consciência, levantou-se com
dificuldade sentindo que as pernas pareciam ter o dobro do peso de antes. Sentou-se
novamente em sua banqueta, em frente ao espelho, e quando levantou os olhos
para encarar seu reflexo, ficou ainda mais estarrecida. O rosto que lhe
encarava de volta realmente pertencia a uma mulher de 59 anos, e cada ano
vivido estava estampado, de alguma forma, em sua pele, agora marcada.
Atônita, compreendeu imediatamente o que havia acontecido. E
estranhamente, de algum modo, pareceu ficar satisfeita. Ela, então, permitiu-se
a sorrir. A partir daquele momento decidiu que nunca mais se privaria. Doesse a
quem doer!
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