sexta-feira, 20 de maio de 2011

Cajueiro japonês



Na ponta dos pés dava para alcançar os frutinhos maduros da árvore Hovenia Dulcis, conhecida como uva japonesa, uva-do-japão ou cajueiro japonês, que desciam garbosos dos galhos escuros. O sabor suculento e adocicado em demasia dos pedúnculos carnosos – parte comestível da fruta com formato cilíndrico, de cor avermelhada a marrom - era extremamente bom para Ítalo, que aprendeu a conhecer os frutos mais assíduos de cada estação, e também a se embrenhar em pomares alheios para afanar, junto com os colegas, mixericas, caquis, amoras e até tomates.
O vento cortante da noite de outono fazia seus dedos se arrocharem, e a blusa fina, salpicada de uma mistura feita de algo como terra, areia, graxa e buracos generosos rompendo do tecido frágil, se enrugava em seu corpo pequeno e esguio. O frio fazia eriçar os pelinhos dos braços dele e tremer as perninhas magras, porém fortes. Mas Ítalo não se importava, estava interessado em apanhar a maior quantidade de frutinhas que podia, ora colocando na boca faminta, ora na blusa (ele havia puxado a barra até a altura do seu umbigo, formando uma espécie de bolsa improvisada).
_ Ítalo, vem logo!, chamou o pai, que impaciente e cansado de tanto andar pelos bairros a procura de papelão, garrafas pet e de vidro, e objetos descartados para depois vendê-los à cooperativas de materiais recicláveis da cidade, já não encontrava paciência para lidar com os caprichos do filho. _ Larga essas porcaria. Larga que tem feijão em casa.
_ Calma pai!
_ Calma nada, vou pegar você pelas oreia, gritou o pai irritado.
O menino se apressou em alcançar as frutinhas em lugares mais altos da frondosa árvore, muito utilizada na arborização urbana, e em maiores quantidades em áreas degradadas devido a sua abundância frutífera. Com um pulo certeiro conseguiu arrancar o fruto mais alongado, de um marrom quase castanho e polpa mais suculenta. Ele nunca tinha visto uvas-do-japão tão grandes e doces, e estava encantado com sua tremenda sorte em topar com aquela árvore de copas abertas e folhas verde brilhantes. O pai largou as hastes do carrinho, que usava para carregar o material, formando uma pilha imensa de objetos, sendo preciso força e equilíbrio para empurrá-lo pelas ruas da cidade, sem derrubar uma sequer folha de papelão. Correu até o filho desobediente e puxou-o pelo bracinho fino, fazendo escorregar todas as frutinhas da sua blusa para o asfalto frio. Aflito, o menino quis se agachar para salvar as uvinhas, mas o pai impaciente o arrastou com força até o carrinho. __ Já disse pra largar isso. Agora vai empurrar sozinho. E cuidado pra não derrubar nada.
As frutinhas, que agora estavam espalhadas pelo chão da calçada, iriam garantir a sobremesa de Ítalo e de seus irmãos, que também adoravam uva japonesa. Ele estava até pensando em misturá-las entre o feijão só para saber que gosto teria. Também imaginou que poderia inventar algo mais saboroso, usando o açúcar que a mãe guardava para o café da manhã. Depois do jantar, iria colocá-las em uma panela, acrescentar uma colher ou mais de açúcar, levá-las ao fogo, e mexer com a colher de pau até amolecê-las e ganhar uma espécie de pasta ou grude de uva japonesa. Ele iria surpreender a todos e deixar a mãe orgulhosa, pensava.
Mas agora Ítalo estava empurrando o carrinho pesado, com cuidado para não balançar muito, sem os frutinhos do cajueiro japonês. Ele abaixava a cabeça para que o pai não visse as lágrimas lhe escorrendo grossas pelo rosto. Uma vez, o pai lhe disse que homem de verdade não chorava, enquanto ele, envergonhado, tentava enxugar as lágrimas teimosas dos olhos, que vieram abundantes depois que um pedaço de caco de vidro infiltrou-se na planta de seu pé esquerdo, abrindo uma assustadora vala de sangue e dor.
A força que fazia para levar o carrinho não era nada comparada ao imenso vazio que agora o habitava. Ele nem sequer percebia o peso do fardo -engolido pela dor de ver suas frutinhas se perderem pela rua vazia - e o caminho de volta para casa arrastou-se triste, frio e sem ilusões. No dia seguinte, com sorte, talvez conseguisse colher novos frutos, que dificilmente seriam tão especiais como aqueles, e talvez ainda fizesse o sonhado doce de uva japonesa. E quem sabe deixaria a todos orgulhosos, inclusive ao pai, que intolerante e impaciente, seguia pela vida mais cansado do que feliz.  

Por Vanessa Olivier

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