quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Fique!



O reflexo no espelho foi impiedoso
Busquei na lâmina fria uma ponta de sutileza
Na linha fina que faz sombra aos cílios longos,
No contorno preeminente às quinas dos lábios esguios,
Na saliência bugosa sob os olhos escuros.
Mas no silêncio do espanto se fez uma resposta
Assustadoramente diáfana,
O peito gorgolejando pontadas doridas,
E insensata, resfoleguei, praguejando os ponteiros
De um tempo que me escapou,
Escorregadio, apático dos meus desejos,
E deixando uma saudade vulgar, quase tola
Dos áureos dias de coração bucólico,
Uma pele tenra de quem ainda há esquinas,
Ruas, estradas, planícies, horizontes imaculados.
Mas a saudade arteira me encara no espelho,
Os olhos se arregalam, a boca se retrai em ultraje
A convicção das rugas, inusitadamente,
Pisca-me um olho, e a resposta é clara:
Seja o ontem, o hoje e o amanhã.
Saudade, pode ficar, não ligo!

Vanessa Olivier

Imperfeita perfeição

Uma lágrima dos meus olhos caiu
Juntou-se às águas do mar
Numa onda de lamentos acertando meu rosto
Sal, saliva, líquido jorrando vida
Diluindo tristezas, lavando meu pranto cansado
Incansável afluência,
Natureza de profusão.
De repente me vi ao meio
Dor, alegria, uma partilha desatinada
Ora íntegra.
Mar, criatura, fundindo-se em comunhão,
Como deve ser,
Natural, natureza,
Imperfeita perfeição, como é,
Como deve ser ...

Vanessa Olivier